Negrume
As lágrimas falam de sonhos maus,
Do papão que vive no meu peito,
Do meu horizonte sem as tuas naus,
Das dores que dormem no meu leito.
Grita-me a voz enrouquecida,
Chamando insistente a razão,
Manda que te faça enraivecida,
Para acabares com a minha ilusão.
Tenho de ser assim amargo e duro,
Despertar em ti negras vontades,
Erguer entre nós dois tamanho muro,
Que me devolva as minhas liberdades!
Choram as palavras que te escrevo,
Sofrem persistente desespero,
Obrigam-me a escrever-te o que devo,
Impedem-me de escrever-te o que quero.
Mandam-me fazer com que rejeites,
Tudo o que eu tenho p’ra te dar,
Jamais permitir que tu aceites,
Esta forma tão azeda de amar.
São tão cruéis e vis estas sentenças,
Que me forçam a negar tua amizade,
Opõem-se firmemente a que pertenças
À minha dolorosa e triste realidade.
Mas o queria a sério era ir,
Deixar-me levar pela insensatez,
Vaguear eternamente, daqui fugir,
Perder todos os sonhos duma vez.
O que queria mesmo era sair,
De dentro deste corpo assombrado,
Deixar este lugar, logo partir,
P’ra onde nunca fosse encontrado.
O que desejo mesmo de verdade,
Nem mesmo a ti o posso confessar,
É tão forte e secreta essa vontade,
Que só a mim me atrevo a contar.
E peno de mim mesmo arrependido,
Culpo-me das dores que te provoco,
Mas só assim é que pode ser vencido,
Este sentir em mim que me faz louco.
Culpo-me de não ser quem tu desejas,
Culpo-te de não me quereres soltar,
Acuso-me de fingir que tu me beijas,
Cada vez que me perco a sonhar.
Sinto-me de tal forma enfeitiçado,
Que chego a desejar a quem tu amas,
A mais cruel das dores, um mau-olhado,
Que te impeça de partilhar as suas camas.
Christian de La Salette
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