sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Viver sem ti


Cai o manto do tempo sobre o passado. Tapam-se as recordações com a coberta do esquecimento. Apagam-se da memória os sabores dos abraços e os tépidos beijos instalam-se ausentes na memória. Fica grávido de dor o meu ventre, gemem os sentidos mil lamentos e eu tento calá-los com o grito do silêncio, fingir que não ouço estas palavras que te escrevo. Talvez por isso as expulse de mim e as despeje neste papel virtual, para que elas possam ir de encontro aos teus olhos que serão porta de entrada em ti. As minhas palavras são tuas amantes, penetram a tua solidão, namoram contigo na ausência do meu corpo, exprimem a nudez do meu olhar, afagam o teu pensamento. Às vezes são cruéis, enchem-se de ciúmes, tornam-se possessivas e ferem-te. São palavras despeitadas, desamadas, nascidas no fel do sofrimento. São palavras angústia, prenúncio da nostalgia que sentem do tempo que ainda não veio, do futuro que virá sem ti, dessa realidade escolhida pela conveniência do que é correcto fazer. São palavras lágrimas que teimam em cair no que escrevo, que mancham e molham tudo o que escrevo, que se alastram em todas as minhas redacções.

Continuo a visitar-te no que escreves e o desânimo regressa aos meus dias quando não me vejo nas tuas palavras, quando insistes em lembrar-me que eu sou um erro do teu presente, um acontecimento que nunca devia ter existido. E sim, vi-te hoje aqui. Entrei e dei de caras com a tua presença. Saí de mansinho antes que me sentisses, como quem sai do quarto da pessoa amada enquanto ela dorme sossegada. Não conseguiria sair se me sentisses e me chamasses, mas o computador acusou-me, disse-te que aqui tinha estado. Temos de o desculpar; é uma máquina, não tem emoções, não sabe o quanto me custa ver-te e não te falar, ver-te e fugir para que não dês por mim, desviar-me do teu caminho quando o que queria era estar sempre contigo. Não sabe o quanto sofro cada vez que te rejeito, cada mensagem tua não respondida, cada pedaço do silêncio a que me votei. Tenho inveja dessa insensibilidade, dessa falta de emoções que possuem as máquinas. Se eu pudesse encontrar uma fórmula de me manter na tua vida sem sofrer...

O pior é que esta paixão destrói a nossa frágil amizade, não permite que ela sobreviva, não admite que ela possa existir. Obriga-nos a uma separação permanente, a uma ausência mútua na vida que cada um tem, na vida acomodada que não suporto abandonar. Talvez um dia recupere a razão. Talvez um dia tu te concretizes nos teus desejos e os teus sonhos, - os antigos -, se tornem realidade. Que quem amas se torne teu amante, livre das obrigações familiares que o prendem como as minhas me prendem a mim. Mereces ser feliz, mereces apaziguar esse mar revoltoso em que se tornou a tua vida nos braços de quem só tenha braços para ti, nos beijos de quem saiba saborear a felicidade de te ter.

Sem comentários: