sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Autocarro




Andam todos à boleia,
No autocarro da vida,
Que vai d’aldeia em aldeia,
Em permanente corrida.
Saem uns e outros entram,
P’ra mais um sempre há lugar,
Ao pé de mim só se sentam
Aqueles que eu deixar.
Sentaste-te tu, ‘tás lembrada?
Mal te vi senti-te logo.
Mal me lembro da tua entrada,
Lembro-me bem do teu fogo.
Queimaste toda a lembrança
De outros que se sentaram
Nos lugares que, desde criança,
A mim e a ti destinaram.
P’ra mim foi nova viagem;
P’ra trás só me importaram
Aqueles que em cada paragem,
Saindo, só me deixaram.
Quem me pôs neste autocarro
Teve de sair muito cedo,
Mal estava moldado o barro,
Bem estava moldado o medo.
Já me veio à ideia
Que esta gente está cativa,
Neste autocarro-cadeia,
Em perpétua preventiva.
E por vezes eu duvido
Que tudo o que vejo é certo,
Que tudo é mesmo sentido,
Que o meu fim não está perto.
Saiste de ao pé de mim,
Neste autocarro ficaste...
Há de ser sempre assim?
Então porque é que entraste?
Não sabes quanto me dói,
Ver outro contigo sentado?
Magoa mais porque foi,
O meu temor o culpado.

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