quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Ocaso

Vem comigo passear de mãos dadas à beira-mar, calcar o entardecer com os nossos passos numa calma caminhada à beira de água, deixar que o dia morra debaixo dos nossos pés, enquanto as ondas moribundas os vão mordiscando com beijos espumados de desejo. Vem sentar-te nas dunas a ver o sol deitar-se no mar enquanto os nossos dedos penteiam a areia entrelaçados, fazer castelos e desenhar corações na areia molhada, escrever poemas de amor repetidamente apagados e novamente reescritos. Vem comigo apanhar conchas e pedrinhas brilhantes, procurar seixos redondos como contas de um colar que o mar pretende oferecer-nos. Anda ouvir o riso das gaivotas voando em bando por sobre as nossas cabeças, acenar para os veleiros que passam ao largo e procurar mensagens de amor nas garrafas que deram à costa. Anda ouvir o mar bater nos nossos corações descompassados, como se fossem búzios colados ao ouvido, ouvir o marulhar dos nossos desejos. Mete-te comigo num dos barcos ancorados e naveguemos mar adentro perdendo-nos no horizonte, esquecidos da praia de onde partimos, surdos aos gritos das pessoas que nos acenam para voltarmos.

Vem saborear o sal na minha boca e o cheiro a maresia dos nossos corpos abraçados pela pele, o contacto íntimo da solidão esvaída entre nós. Vem entregar-te a esse mar que vês nos meus olhos, mergulhar nas minhas águas revoltas, sentir brisas nos cabelos que se espalham como ondas na areia.

Vem atirar redes de sonhos ao mar, pescar a felicidade com o olhar que se perde no movimento rítmico das ondas, sentir a calma apoderar-se de nós, adormecer no peito da praia, encostar a cabeça na almofada das tentações. Deixa que o dia nos acorde assim. Corpos molhados por desejos incontrolados, desejos de preia-mar, desejos que há muito andavam perdidos na faina da vida de todos os dias.

Vem descobrir uma praia só para nós como outros inventam músicas só para eles; uma praia que nos faça lembrar sorrisos nas caras dos filhos que perfilhamos juntos, onde a inocência se encontra com a verdade e juntos continuam o passeio que tivermos interrompido para depois o devolverem sempre que lá voltarmos.

Vem repetir esse passeio até ao fim da nossa vida, ainda que tenhamos que inventá-lo todos os dias.

Christian de La Salette

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