terça-feira, 25 de novembro de 2008

Depois do nunca


Ainda dorme o nosso leito quente. Ficamos de olhos abertos sem ver a noite acabada, o dia a despontar timidamente na dobra dos lençóis, como se tivesse sido apanhado no meio de uma travessura. Os nossos abraços estão cansados depois desta noite sem sono, deitam-se languidamente ao lado dos nossos corpos despidos, nus até dos preconceitos que nos vestem fora da nossa cama. A nossa vontade permanece adormecida também. Queremos ficar assim até nos esquecermos de tudo, de todos… das responsabilidades e irresponsabilidades, perder a noção do pecado, perder a noção de tudo que não seja esse momento, esse pedaço de tempo que fica estático na contemplação dos nossos corpos suados. Aos poucos entrelaçam-se os dedos. Desperta devagar novo desejo que vai subindo até às nossas bocas, um frémito eléctrico nos percorre totalmente. Embrulham-se outra vez os lençóis, misturando-se o de cima no de baixo, esqueceram o cansaço… A noite repete-se na manhã, a manhã encadeia-se na tarde e a tarde deita-se com o anoitecer. Ninguém nos pede nada; não há crianças para levar à escola, não há livros para estudar, pequenos-almoços a preparar, lanches, mochilas, piscinas, tempo esgotado… Somos só os dois… corpos deitados que se tornam um só em movimentos alternados. Corpos instinto na sofreguidão do sexo voraz que nos consome, sem pudores… perdemo-nos no reencontro dos nossos corpos, no desejo partilhado nos milhões de poros brilhantes de suor. Vagueia o mundo lá fora à nossa espera. Cansa-se de esperar por nós. Fingimos que não existe. Para mim só existe o êxtase nos teus olhos fechados, esses olhos onde se afunda toda a minha resistência e me prendem na certeza do prazer jamais imaginado, assim sentido a dois, como devia ter sido há muito tempo, como devia estar destinado. Serenamos. Aos poucos regressamos ao presente e, mesmo não querendo, despejamo-nos outra vez no mundo dos outros. Tornamo-nos iguais a eles.
Outro dia talvez…
Christian de La Salette