segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Momentos das palavras




Há momentos em que as palavras perdem o sentido porque se tornam inócuas perante o sofrimento daqueles que amamos. Dizemos que tudo correrá bem e colocamos nessas palavras o peso do desejo de que elas se concretizem. Mas não há palavras que substituam um abraço de aconchego, de consolo, quando dele estamos necessitados. Não há palavras que concretizem as nossas preces e orações; apenas palavras que expressam a nossa impotência perante a dor e sofrimento dos que nos são próximos. São momentos de sofrimento que nos deixam sem as palavras. Só podemos partilhar o silêncio e em silêncio sofrermos também.
Há outros momentos que nos roubam o resto das palavras. Substituem-se por novelos de soluços que se engasgam dentro de nós ou se desfazem em lágrimas ininterruptas que teimam em nos molhar as faces, independentes das nossas vontades, impossíveis de serem contidas na caixa dos sofrimentos que vamos enchendo ao longo da vida. São momentos de perda de alguém que amamos e nossa perda também. Julgamos esse sofrimento insuportável e interminável e por isso esquecemo-nos das palavras que o façam parar. Também não existem. É um sofrimento tão atroz que nos sufoca e provoca um aperto no peito ao ponto de quase o sentirmos rebentar, tirando-nos o ar e a vontade de continuar, como se tudo fosse um pesadelo do qual nunca iremos acordar. E as lágrimas que teimam em cair não conseguem diluir a bola de dor que se formou cá dentro.
Perder quem amamos leva consigo um pedaço de nós.
Também perdemos pessoas ainda vivas…

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Mais um dia




Só peço mais um dia
Para ver o teu sorriso,
Mais um dia  é o que queria
Mais tempo não é preciso.
Voltar a ter-me em teus braços,
De novo ouvir tua voz,
Preencher todos espaços,
Desatar todos os nós
Que a vida nos foi atando,
Silêncios que se formaram,
Distância que se foi criando,
Vontades que se transformaram.
Só a solidão foi ficando.

Só queria mais um dia
P’ra te poder explicar
O tanto que me magoa
Não mais te ouvir falar,
E dizer tudo o que sinto
Quando tu não estás aqui,
A tristeza com que pinto
Os meus caminhos sem ti.

Necessito mais um dia
P’ra me lembrar do teu colo,
Do teu grito de alegria
Como se marcasse um golo
Ver meus passos vacilantes
Andando a primeira vez,
Que para ti só há antes
De cada vez que me vês.

Só preciso mais um dia,
Por favor, dai-mo meu Deus!
Há tanto qu’inda não disse
Antes de dizer adeus…

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Autocarro




Andam todos à boleia,
No autocarro da vida,
Que vai d’aldeia em aldeia,
Em permanente corrida.
Saem uns e outros entram,
P’ra mais um sempre há lugar,
Ao pé de mim só se sentam
Aqueles que eu deixar.
Sentaste-te tu, ‘tás lembrada?
Mal te vi senti-te logo.
Mal me lembro da tua entrada,
Lembro-me bem do teu fogo.
Queimaste toda a lembrança
De outros que se sentaram
Nos lugares que, desde criança,
A mim e a ti destinaram.
P’ra mim foi nova viagem;
P’ra trás só me importaram
Aqueles que em cada paragem,
Saindo, só me deixaram.
Quem me pôs neste autocarro
Teve de sair muito cedo,
Mal estava moldado o barro,
Bem estava moldado o medo.
Já me veio à ideia
Que esta gente está cativa,
Neste autocarro-cadeia,
Em perpétua preventiva.
E por vezes eu duvido
Que tudo o que vejo é certo,
Que tudo é mesmo sentido,
Que o meu fim não está perto.
Saiste de ao pé de mim,
Neste autocarro ficaste...
Há de ser sempre assim?
Então porque é que entraste?
Não sabes quanto me dói,
Ver outro contigo sentado?
Magoa mais porque foi,
O meu temor o culpado.