terça-feira, 20 de outubro de 2015

Barco cansado


Recolhe as tuas velas esta noite,
Atraca no meu porto o teu barco,
Que a tempestade vem como açoite,
E o sono não quer vir, ainda é parco.
Descansa das viagens que fizeste,
Por esse mundo mar que percorreste,
Amarra-te em meu cais que fica a leste,
Sou doca que repara o que perdeste.
Mas sabes que amanhã é novo dia,
Um novo rumo quer levar-te embora,
A terra firme torna-se demasia,
Mas amanhã só vem depois de agora.
Refaz-te que eu sou teu estaleiro,
A doca seca para descansares,
Há rombos que te vejo por inteiro,
Há panos p'ra coser,  velas  atares.
Reparo-te da ré até à proa,
Bombordo e estibordo reparados,
A cana do teu leme estará boa,
Quando amanhã andares noutros lados.
Mas sabes que amanhã é novo dia,
Um novo rumo quer levar-te embora,
A terra firme torna-se demasia,

Mas amanhã só vem depois de agora.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Nado anseio




Ainda assim foste gente,
Tiveste forma definida,
Cresceste na minha mente,
Pouco a pouco sendo vida.
Tiveste olhos castanhos,
Azuis verdes ou escuros,
Cabelos de todos tamanhos,
Passos leves mas seguros.
Vestiste sedas e folhos,
Bandolete a condizer,
Saias tuas eram molhos,
Vestias-te só pr'a te ver.
Chutaste a bola com força,
Correste a par com o vento,
Mais veloz que uma corsa,
Mais rápido que o pensamento.
E como ias tão triste
No primeiro dia de escola,
Mas logo a seguir te riste
Ao chutares uma bola!
Tão nervosa e insegura
Na tua apresentação,
Mas levaste-me à loucura
Comovido de emoção.
E quando tão orgulhoso
Terminaste o teu curso,
Sabias que era apenas
O início de um percurso.
Foste médica, enfermeiro,
Engenheira ou diplomata,
Professora ou carpinteiro,
Advogada ou pirata.
A tudo isso assisti;
Imenso e paterno sorriso
Estando a ver-me em ti;
Prolongamento preciso...

Fico triste ao saber
Que quando chegar o fim,
Tudo acaba por morrer,
Não fico depois de mim.
E sei com muita amargura,
Que não te vendo crescer,
Torna esta vida mais dura.
Há quem morra sem nascer...

Foste gente, foste gente,
Apenas na minha mente.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Olhos opacos




Se os teus olhos falassem,
Talvez em mim se calassem,
Murmúrios de solidão,
Pois mesmo estando a teu lado,
Não sei se é destino ou fado,
Sinto-me um na multidão.
Se os teus olhos me ouvissem
Talvez teus lábios se abrissem
Em ávida sofreguidão,
Para receber em delírio
O beijo, doce martírio,
Caminho de perdição.
Se os teus olhos me vissem
Na cegueira da loucura
Verias quanto era pura
A tresloucada visão,
De te ter no meu futuro,
Partilhando o que procuro
Ao sabor da sedução.
Se os teus olhos afagassem,
Esta pele cheia de medos,
Revelavas meus segredos
Na palma da minha mão,
Lendo a linha do destino,
Que em ti se junta à do tino
Longe da do coração.