segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Refeição


Vou comendo o mundo com os olhos, e a saudade sentada junto a mim, à beira-mar. Vou-me alimentando com essa refeição ocular de cores: o mar saltitando nas rochas e deixando um rasto espumoso de leite, o rio entrando nesse mar, verde das algas, terminando a sua viagem misturando-se com o azul e branco. Vou-lhes sentindo os cheiros, aqui nesta falésia que limita o avanço deste corpo que se alimenta pelos olhos, enquanto a saudade se senta ao pé de mim. Desço até à areia e deito-me junto à ausência do teu corpo onde a saudade se deita também. Os meus olhos vão comendo o mundo e eu nunca fico saciado. Fecho-os numa pausa alimentar. Corpo e alma em digestão conjunta. Largo-me aqui, exaurido, esperançado  que esta refeição me retempere as forças e me reencoraje.
Sei-te em qualquer lado! Assim mo disse a saudade, essa minha companheira de jornada. Está aqui, já to disse, deitada na areia a meu lado, no lugar que devia ser teu, no mesmo sítio da tua ausência. Faz-me companhia…
Sei-te… Sinto-te, como sinto esta brisa que passa por mim e me eriça os pelos. Cheiro-te também, nos mesmos cheiros que me trazem momentos conjugados e sabores que quero repetir. Imagino-te parte desta refeição. Entrares em mim através dos olhos... Mas para isso era preciso que saísses de mim, pois tu estás sempre presente, ainda que a saudade de ti me acompanhe. Contraditória esta sensação... Vives comigo e estás ausente. És parte de mim mas não estás aqui. Sinto-te, mas sinto com mais força a tua ausência.
Vou comendo com os olhos o mundo. A minha voracidade é enorme e a fome de ti nunca se acaba.