sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Viver sem ti


Cai o manto do tempo sobre o passado. Tapam-se as recordações com a coberta do esquecimento. Apagam-se da memória os sabores dos abraços e os tépidos beijos instalam-se ausentes na memória. Fica grávido de dor o meu ventre, gemem os sentidos mil lamentos e eu tento calá-los com o grito do silêncio, fingir que não ouço estas palavras que te escrevo. Talvez por isso as expulse de mim e as despeje neste papel virtual, para que elas possam ir de encontro aos teus olhos que serão porta de entrada em ti. As minhas palavras são tuas amantes, penetram a tua solidão, namoram contigo na ausência do meu corpo, exprimem a nudez do meu olhar, afagam o teu pensamento. Às vezes são cruéis, enchem-se de ciúmes, tornam-se possessivas e ferem-te. São palavras despeitadas, desamadas, nascidas no fel do sofrimento. São palavras angústia, prenúncio da nostalgia que sentem do tempo que ainda não veio, do futuro que virá sem ti, dessa realidade escolhida pela conveniência do que é correcto fazer. São palavras lágrimas que teimam em cair no que escrevo, que mancham e molham tudo o que escrevo, que se alastram em todas as minhas redacções.

Continuo a visitar-te no que escreves e o desânimo regressa aos meus dias quando não me vejo nas tuas palavras, quando insistes em lembrar-me que eu sou um erro do teu presente, um acontecimento que nunca devia ter existido. E sim, vi-te hoje aqui. Entrei e dei de caras com a tua presença. Saí de mansinho antes que me sentisses, como quem sai do quarto da pessoa amada enquanto ela dorme sossegada. Não conseguiria sair se me sentisses e me chamasses, mas o computador acusou-me, disse-te que aqui tinha estado. Temos de o desculpar; é uma máquina, não tem emoções, não sabe o quanto me custa ver-te e não te falar, ver-te e fugir para que não dês por mim, desviar-me do teu caminho quando o que queria era estar sempre contigo. Não sabe o quanto sofro cada vez que te rejeito, cada mensagem tua não respondida, cada pedaço do silêncio a que me votei. Tenho inveja dessa insensibilidade, dessa falta de emoções que possuem as máquinas. Se eu pudesse encontrar uma fórmula de me manter na tua vida sem sofrer...

O pior é que esta paixão destrói a nossa frágil amizade, não permite que ela sobreviva, não admite que ela possa existir. Obriga-nos a uma separação permanente, a uma ausência mútua na vida que cada um tem, na vida acomodada que não suporto abandonar. Talvez um dia recupere a razão. Talvez um dia tu te concretizes nos teus desejos e os teus sonhos, - os antigos -, se tornem realidade. Que quem amas se torne teu amante, livre das obrigações familiares que o prendem como as minhas me prendem a mim. Mereces ser feliz, mereces apaziguar esse mar revoltoso em que se tornou a tua vida nos braços de quem só tenha braços para ti, nos beijos de quem saiba saborear a felicidade de te ter.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Consegues esquecer?

Consegues esquecer?

Avança o calendário, lentamente. Os dias passam. Vêm as noites... Ah!, as noites são mais dolorosas, envolvem-me com o seu silêncio escuro, precipitam-se em melancolia dentro de mim, reavivam as dores... Nas noites o meu choro não dorme; passeia-se nas minhas faces, infiltra-se na recordação dos momentos que não se repetirão. Já não posso sentir-te e isso dói... Já não posso abraçar-te e isso magoa, alastra-se em dores múltiplas pelo corpo todo. Viciaste-me de ti de tal forma que a ressaca de não te ter torna-se insuportável, é impossível parar a corrente de chagas que se abrem a cada segundo que a tua ausência se materializa em mim, em cada momento em que a tua falta vai latejando no meu consciente. Resta a esperança que o tempo seja um comboio que te leve para cada vez mais longe, que te afaste da estação onde eu fiquei parado, acenando-te um lenço molhado, fitando esse comboio a desvanecer-se no meu futuro. Não voltarás dessa viagem. Tu não voltas!...

Sinto dores que não sabia que existiam, aprendi a medir o tamanho da tristeza e compará-la com o tamanho da solidão. Sei de cor a área que cada uma ocupa em mim... É tão cruel essa geometria!...

Tenho vontade de perder todas as vontades, de sumir para a eternidade, de desaparecer para sempre... sobretudo desta realidade. O meu cérebro enche-se das músicas que partilhámos; recordas-te?: - "When I need you, I just close my eyes and I'm with you." - Se fosse assim tão simples... se bastasse fechar os olhos para que te materializasses... se bastasse levantar as mãos para te tocar...

Porém, os nossos breves encontros foram sempre tristes, assombrados pelas nossas vidas separadas, pelos nossos destinos desencontrados, continuamente presos nessa consciência... mas reproduzi-los-ia todos os dias até que estes se esgotassem. Vale mais um encontro triste do que não ter nenhum. A nossa tristeza mútua atraía os nossos abraços, pedia mimos um ao outro. E era a mim que tu abraçavas enquanto pensavas no outro; eu tinha-te...

Custa tanto esquecer-te.

Christian

Rejeição


Deixa-me sofrer sossegado,
Não voltes p’ra mim teu olhar,
Deixa-me morrer descansado
Quero sozinho ficar.
Já não há sinos tocando,
Primaveras a desabrochar,
Já não há campos verdejando
Nem sementes para plantar.
Saio de ti sem destino
Rumando por vaguear,
Vou procurar um caminho
Que me leve deste lugar.
Gritas e choras mentiras,
Pedes-me para eu ficar
Dás-me a saudade que tiras,
Onde eu a fui enterrar.
Deixa-me sair daqui,
Debaixo da tua influência,
Deixa-me nalguma estrada
Pintada com a tua ausência,
Larga-me nalgum baldio,
Que não saibas a direcção,
Larga-me num sítio vazio,
Onde não haja coração.
Quero ser livre sem sonhos,
Quero não mais querer,
Gastar todos os meus dias
Tentando-te esquecer.

Quero um novo horizonte
Sem ver o teu pôr-do-sol,
Quero beber noutra fonte,
Esconder-me noutro monte,
Rumar ao desconhecido,
Sentir que tudo mudou,
Deixar de me sentir vencido
Por quem nunca me amou.

Quero viver e morrer,
Rir e chorar de prazer,
Fingir que nunca exististe;
Quero novas ilusões,
Preencher com outras paixões
Os bocados de mim que partiste.

Deixa morrer sossegada
A paixão que rejeitaste,
Dá-lhe espaço, dá-lhe ar,
Não a prendas para nada,
Deixa-a vogar à deriva,
Perder-se nesse oceano
De lágrimas cheias de sal,
Ou então ter outro engano,
Padecer do mesmo mal
Em alguém que a queira viva.

Christian de La Salette

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Toque de Finados

Desfaz-me em pedaços,
Tritura-me os sentidos,
Arranca-me os braços,
Apaga-me os traços
Dos tempos vividos
Sonhando contigo
Sendo o teu abrigo.
Corta-me aos bocados,
Fere-me de morte,
Entrega-me à sorte,
Toca os meus finados.
Já nada me importa,
Já nada desejo,
Nada me conforta
A falta de um beijo.
Perdi-me confuso
Em sítios ocultos,
Perdi todo o uso
Rezando outros cultos,
Perdi a razão
Na louca paixão
Sentida por ti,
Perdi-me somente...

Apaga-te de mim,
Deixa-me sozinho,
Só quero um cantinho,
Longe do teu ninho,
Perder o caminho
Que me leva a ti,
Ficar por aqui
Sem mais ilusões,
Perder confusões
Encontrar um fim...

Vai-te de uma vez,
Não voltes jamais,
Já sofro demais
Só por existires,
Só por me partires,
Só por tu partires
Ainda que seja
Apenas na ideia
De quem te deseja.
Some-te sem volta,
Oprime a revolta
Que me enche as entranhas,
Cala o sofrimento,
Rouba ao sentimento
Que assim não me ganhas.

Sai da minha mente,
Bane-te de mim,
Apressa o meu fim,
.........................................
Mata-me simplesmente...


Christian de La Salette

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Intangível


Foges-me! Jogas comigo um jogo de apanha-esconde interminável. Prometes-te, espreitas à porta dos meus dias, mostras-te, engodas-me... Eu busco-te, tento alcançar-te, apanhar-te, tocar-te, mas tu estás sempre a uma distância inalcançável, quase ao estender do braço, como se fosses um barquinho à vela num tanque de água levado pelo vento, para longe de mim, sempre que estou quase a apanhá-lo. Mesmo quando estou recolhido em mim próprio, tentando fugir da tua influência, tu invades-me e aproprias-te do meu pensamento, ocupas toda a minha lucidez. Chamas-me para ti e corro num eterno labirinto onde abres e fechas portas, sempre uma porta à minha frente, nunca me deixando perder-te de vista, nunca me permitindo alcançar-te! Nem consigo ter descanso desse jogo, deixar o meu coração recuperar o fôlego dessa corrida ininterrupta, ficar num troço do labirinto onde não te possa ver e tu me percas, porque tu estás presente em qualquer lado onde eu esteja, em qualquer sítio onde vou. Insinuas-te em sorrisos voluptuosos quando eu quero fugir de ti, bamboleias o teu corpo sensualmente sempre que eu quero desviar os meus olhos de ti. És uma sereia que me prendeu no seu encantamento e como sereia só me libertarás quando o meu barco embater nas rochas e ficar reduzido a pedaços, quando for náufrago da minha vida. Partirás, então, para enganar outro marinheiro, outro incauto que passe nas águas do teu domínio?

Às vezes tento esconder-me de ti, oculto-me noutro homem para que não repares em mim, personifico-me noutro ser, camaleono-me em alguém que te possa ser indiferente, mas assim que estás ao pé de mim desaparecem os meus disfarces, desmascaras-me totalmente.

Às vezes tento calar-te dentro de mim, fingir que tu não significas mais para mim do que um grão de areia significa para uma praia, só que te tornaste um grão de areia dentro do sapato que é a minha vida, que me faz doer cada vez que tento caminhar, que me lembra que estás sempre presente, que enquanto estiveste na praia junto dos outros grãos de areia nada eras e agora significas mais que os outros milhões de grãos de areia todos que continuam lá na praia. O pior é que eu não consigo descalçar-me, sacudir-te, tirar-te do sítio onde te alojaste, porque tu adquiriste vida própria, mobilidade própria, e deslocas-te livremente por mim, fugindo sempre que estou quase a alcançar-te, a apanhar-te. No entanto eu sinto-te enquanto te moves no meu corpo, eu sinto-te enquanto te moves na minha vida.

Hoje vou tentar não correr atrás de ti. Vou-me encolher no meu cantinho à espera que vás ter comigo, fazer-me festas no cabelo, entregar-me o teu regaço para nele pousar a cabeça, dar-me o teu colo para eu me sentir aconchegado. Vou ficar quietinho à tua espera, balançando com a cabeça apoiada nos joelhos, os meus braços abraçando as minhas pernas enquanto não puderem abraçar-te a ti. Não levantarei a cabeça se apenas espreitares na minha sala da solidão; esperarei que te chegues perto, que me toques... Se o não fizeres, o nosso jogo terá de acabar algum dia. Será que sobreviverei a isso?

Christian de La Salette

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Paixão

Paixão é um mar que nos invade,

Que alaga todo o espaço interior,

Trovoada que desperta a madrugada,

Relâmpago que fulmina o alvor.

É tempestade que perturba a calma,

Frémito que nos percorre totalmente,

Terramoto que nos sacode a alma,

Loucura que se espalha pela mente.

É um sentir que vem de enxurrada,

Como cavalos correndo em tropel,

Excitação permanente e desenfreada,

É viver num permanente carrossel.

Paixão é um barco à deriva,

Permanente conquistar o Bojador,

É jangada solta em maré-viva,

Ondas que rebentam com fragor.

É um sorriso quente ao acordar,

Trémulos desejos descontrolados,

É um perder-se e nunca se encontrar,

Em trilhos de aventura não marcados.

É necessidade nunca saciada,

Riso e choro em perpétuo vaivém,

Dar-se recebendo quase nada,

Um possuir egoísta de alguém.

É semente estéril em terra árida,

Tentando a todo o custo germinar,

Beijo plantado em boca ávida,

Sentir que não se pode cultivar.

Paixão é um olhar embevecido

No rosto cintilante de outro ser,

Viver permanentemente esquecido,

Levar com um feitiço sem saber.

É um sorriso lento ao acordar,

Lânguido despertar no amanhecer,

Brincar com nuvens, no céu pairar,

Um pôr-do-sol a dois ao entardecer.

É um latir pedindo-nos carinho,

Colo que aquece e nos conforta,

Abraço que se dá e tão mansinho,

Que o resto para nós já pouco importa.

Christian de La Salette

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Vigília (À tua Espera)


Abri a janela à lua para que se deitasse ao pé de ti na minha cama vazia; esperei que adormecesse para me perder na contemplação imaginada desse quadro tão belo e sereno que tu formavas com ela. Uma lua sossegada dormindo a teu lado, ocupando em minha cama o espaço que era meu! Queria que as minhas madrugadas fossem feitas dessa monotonia pacífica, que o meu acordar fosse essa doce insónia de te ver partilhar o leito com o luar, ou simplesmente poder ver-te adormecida, tranquila, como se nada pudesse alguma vez perturbar o limbo em que vives enquanto dormes. Queria mergulhar as minhas lágrimas na tua alma, escondê-las dos olhos para que eles não as mostrassem ao mundo, misturá-las nos teus sonhos prazenteiros, ocultá-las no teu sorriso descontente, nessa tua despreocupada melancolia. Queria soltar quimeras no céu estrelado que nos espreita fora da janela do nosso quarto, deixá-las vogar na infinitude, partilhar segredos com os astros, aqueles que tenho vergonha de mostrar ao meu conhecimento, que receio descobri-los à minha realidade.

O vazio enrugado do espaço ao teu lado, - (ao lado do lado onde não estás) -, lembra-me que o meu corpo já lhe pertenceu, e esse vazio entranha-se nele, espelha-se em mim! Já nada me aquece!

Interrogo-me se esta penumbra que me envolve esta noite será a mesma em que se tornou a minha existência de todos os dias, se esse vazio ocupa todos os espaços que já me pertenceram. Interrogo-me se valerá a pena.

Saber-te dormindo ausente de mim, não partilhar esse teu sono é uma metáfora do que me espera até ao final. Sinto que só posso partilhar breves espaços na tua vida sem nunca partilhar a tua vida inteiramente. Vivo apenas com uma essência que se emana de ti, apenas um aroma da tua parte física que não me pertence. Desespero por saber que será sempre assim.

Valerá a pena?

Valerá a pena inventar-te estas palavras, permitir que elas se insinuem em ti, provocando-te lágrimas, provocando-te tristeza, contagiando-te as minhas mágoas?

Desespero porque nem promessas te posso dar, pois só te posso prometer o impossível ou a inutilidade dos meus dias futuros nascidos neste momento plangente em que me encontro. Estamos tão presos às coisas físicas que tudo o que as possa pôr em risco se transforma em sofrimento.

Serias minha se fosse rico? Se pudesse dar-te as coisas físicas que te fazem falta? Se pudesse aliviar os teus fardos financeiros, satisfazer todos os teus caprichos? Serias minha se eu fosse livre ainda que pobre e sem dinheiro?

Serás minha alguma vez?

Valerá a pena continuar assim os dias? Valerá a pena ocultar-me naquele que não sou, no outro que existe utilizando o meu nome, que se mistura no mesmo mundo de gente que me ignora, viver nesse mundo solitário que não pára, que não me deixa olhá-lo nos olhos e tentar descortinar o que guarda para mim? Valerá a pena sofrer?

Sinto-me um acróstico que só existe na margem dos dias, uma hipérbole da amargura, um repetir pleonástico dos dias, uma personificação do infortúnio. Sinto-me uma figura de estilo utilizada na linguagem da vida, uma interjeição dos míseros dias sofredores.

Desespero por ser assim e não conseguir ser de outro modo.

Somam-se os dias assim; uns mais os outros. É um juntar que diminui, que vai descontando nos que estão para vir, que tira tempo e aumenta a dor da tua ausência neles. Passam-se os dias mas não desaparece a mágoa, nunca passa... Nascem novas ilusões em cada instante que morre. Florescem novos espinhos a todas as horas.

Fecho a janela para que nada perturbe o teu sono sossegado. A Lua já se foi embora...

Christian de La Salette

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Ode aos Arrumadores

Levanta-te ó indigente
Vem assistir à parada,
Dos que vão para o emprego
Enquanto tu fazes nada.
Venham também os drogados
Homófilos e os chanfrados,
Arrumem as viaturas
Dessas pobres criaturas
Que marcham para o trabalho,
E se algum se armar em esperto,
Quando já não estiver perto,
Um risco na chaparia
E já ganharam o dia.
Tratem todos por doutores,
Engenheiros, professores,
Aliviem-lhes as dores
De andarem com trocados,
Pois esse tal vil metal
A eles faz muito mal.
Porque há-de tal gentinha
Ter direito a um lugar
Para o carro estacionar
Só por ele estar vago?
Tem de dar contribuição
A quem lhe dá indicação
Mesmo que o lugar seja pago.
Não se importem com comida,
Pois se a fome apertar
Há sempre quem vos convida
Para o Banco Alimentar.
Porque hão-de ter trabalho,
Gastar no pão e no talho,
Se o vinho é mais barato
E o cigarro um bom prato?
Há coisa melhor na vida
Que fumar ganzas maradas,
Injectar doses danadas
Como se fossem comida?
Cata sempre a moedinha
Para o pão e p’ró sumito,
De certeza que não sabem
Que é p’ró cigarro e copito!
Se o dinheiro não chega,
Tem muita calma e sossega,
Auto-rádio apetrechado
Fanado num enlatado,
Há-de render alguns cobres
Vendido àqueles pobres,
Que tiveram azar um dia
De parar a lataria
No parque de estacionamento,
Vosso local de passeio,
Ou até divertimento.
Nada de trabalhar,
Tende muita paciência,
Que p’ra carros estacionar
É preciso uma licença.

Christian de La Salette

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Ocaso

Vem comigo passear de mãos dadas à beira-mar, calcar o entardecer com os nossos passos numa calma caminhada à beira de água, deixar que o dia morra debaixo dos nossos pés, enquanto as ondas moribundas os vão mordiscando com beijos espumados de desejo. Vem sentar-te nas dunas a ver o sol deitar-se no mar enquanto os nossos dedos penteiam a areia entrelaçados, fazer castelos e desenhar corações na areia molhada, escrever poemas de amor repetidamente apagados e novamente reescritos. Vem comigo apanhar conchas e pedrinhas brilhantes, procurar seixos redondos como contas de um colar que o mar pretende oferecer-nos. Anda ouvir o riso das gaivotas voando em bando por sobre as nossas cabeças, acenar para os veleiros que passam ao largo e procurar mensagens de amor nas garrafas que deram à costa. Anda ouvir o mar bater nos nossos corações descompassados, como se fossem búzios colados ao ouvido, ouvir o marulhar dos nossos desejos. Mete-te comigo num dos barcos ancorados e naveguemos mar adentro perdendo-nos no horizonte, esquecidos da praia de onde partimos, surdos aos gritos das pessoas que nos acenam para voltarmos.

Vem saborear o sal na minha boca e o cheiro a maresia dos nossos corpos abraçados pela pele, o contacto íntimo da solidão esvaída entre nós. Vem entregar-te a esse mar que vês nos meus olhos, mergulhar nas minhas águas revoltas, sentir brisas nos cabelos que se espalham como ondas na areia.

Vem atirar redes de sonhos ao mar, pescar a felicidade com o olhar que se perde no movimento rítmico das ondas, sentir a calma apoderar-se de nós, adormecer no peito da praia, encostar a cabeça na almofada das tentações. Deixa que o dia nos acorde assim. Corpos molhados por desejos incontrolados, desejos de preia-mar, desejos que há muito andavam perdidos na faina da vida de todos os dias.

Vem descobrir uma praia só para nós como outros inventam músicas só para eles; uma praia que nos faça lembrar sorrisos nas caras dos filhos que perfilhamos juntos, onde a inocência se encontra com a verdade e juntos continuam o passeio que tivermos interrompido para depois o devolverem sempre que lá voltarmos.

Vem repetir esse passeio até ao fim da nossa vida, ainda que tenhamos que inventá-lo todos os dias.

Christian de La Salette

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Alívio


Deixa as tuas mágoas sentarem-se a meu lado,
Repousa no meu regaço as tuas dores,
Aninha no meu colo o teu fado
Desabafa em mim os teus temores.
Deixa-me ser meirinho confidente,
Um ombro amigo p’ra poderes chorar,
O teu coração se alegre de contente
Cada vez que ele me encontrar.
Deixa-me ser teu rio, brandas margens,
Murmúrios de água inquieta a sussurrar,
Vento que vem de outras paragens,
Roçando a tua face a afagar.
Deixa-me ser seixo pequenino,
Pedra que atiras para um lago,
Fazendo um pequeno remoinho,
Sugando-te as tristezas de um só trago.
Deixa-me ser serena realidade,
Cada vez que a tua vida se turvar,
Pequeno momento de amor e liberdade,
Ancoradouro das lágrimas do teu mar.
Faz de mim privado contentor,
De problemas, medos, incertezas,
Coloca em mim toda a tua dor,
Despeja-me todas as tuas impurezas.
Quero ser sol que no Inverno te aqueça,
Amena Primavera a começar,
Uma nova vida que não padeça,
Dos defeitos da outra que acabar.
Molha as minhas mãos com o orvalho,
Que dos teus olhos teima em sair,
Que a esperança encontre em mim atalho
Se ao teu encontro ela quiser vir.
Que nada te perturbe ou aflija,
Sempre que quiseres estar comigo,
Serei em teu caminho torre rija,
E a todas as aflições darei castigo.
Serei implacável, mesmo duro,
Nada me demoverá dos meus intentos,
Defender-te-ei como um muro,
Barreira instransponível de unguentos.
Vem ter comigo sarar as tuas feridas,
Limpar-te de toda a sujidade,
Só te darei/direi palavras queridas,
Esconderei de ti a má verdade.
Senta-te tu também, aqui ao lado,
Guardei este lugar à tua espera,
Tenho-o, há tanto tempo, p’ra ti guardado,
Que quase não sabia p’ra quem era.

Christian de la Salette

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Mais um dia


Choras?!... Libertas as tuas dores em lágrimas que correm sem destino na tua face, perdendo-se esquecidas nas tarefas de todos os dias.

Olhaste para trás de olhos fechados e viste-te menina, cheia de sonhos que hoje estão inalcançados. Viste a tua sombra passar diante de ti e com ela levar as tuas ilusões. Não fossem os teus filhos e sentir-te-ias vazia, corpo animado sem vontade.

Levantas-te todos os dias e juntas os pedaços que os homens espalharam de ti, como se fosses boneca de trapos, marioneta comandada no seu desejo, restando aqui e ali uma leve recordação de um beijo e a mágoa das promessas não cumpridas. Esperam-te novas ilusões no teu caderno diário e tu sabe-lo. Sentes os dias perdidos em busca de uma felicidade que nunca surge e interrogas-te: Será sempre assim?

Choras!

Encostas a cara na almofada dos dias em que não dormes para que não vejam o rio de tristeza que se escapa dos teus olhos. Choro de raiva desiludida por descobrires que afinal os homens são todos iguais. Pedreiros... Pedreiros de gravata e de falinhas mansas, hienas disputando a carniça dos outros, porque é como carniça que te sentes.

Ah, quanto não davas por um momento de compreensão mundana?! Quanto não davas por alguém que olhasse para ti e reparasse na criança aninhada que em ti vive e soubesse falar-lhe de segurança, de sonhos realizáveis, de príncipes reais que surgem na vida real. De alguém que te libertasse das contas de todos os dias e te permitisse voar para onde te levam os desejos, para longe!... Principalmente para longe... Até onde não houvesse nada que te magoasse, onde todos fossem transparentes, homens, mulheres, amigos ou só conhecidos. Um sítio diferente deste em que todos vivem dissimulados, lobos em pele de cordeiros, sapos...

Choras. Mesmo que não te veja as lágrimas sinto-as de cada vez que os teus olhos se perdem no horizonte do tempo já passado, esse tempo que te trouxe a este presente pesado. Um passado de fardos e um presente de desenganos. Um presente que não é presente mas antes castigo. Punição que não mereces por pecados que nunca cometeste, ou será pecado sonhar em ser feliz?

Para onde quer que olhes os teus olhos marejam-se de lágrimas e sofres em silêncio, às vezes com fome... Uma fome física de coisas a que tens direito e a realidade te rouba em todos os momentos. Sentes vontade de vomitar as tuas mágoas no rosto do mundo que não tem rosto, de gritar: eu ainda estou viva! Mas só te ouve a escória de homens animais, que se babam de desejo e te atiram palavras despidas, nuas de pudor.

Haverá esperança?!

Limpas as lágrimas como fazes todos os dias desde há tanto tempo que já te esqueceste quando começou.

Levantas-te. Hoje é mais um dia!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

C’est mauvais ce jour là

Quand je t’ai connu,

Une amie j’ai gaigné

Mais je me suis perdu.

Je vivais innocent

Tous les jours, toutes les nuits

Pas de peur dans mon coeur,

Sans désir dans mon lit.

Et toi, qu’as-tu fait ?

Tu me dis: rien du tout !

Mademoiselle c’est pas vrai

Dans ma vie tu es venue.

Ne peux pas t’oublier,

Même dans mon sommeil

Tu es ma rêvasserie

Mon étoile, mon soleil.

Je me sens toujours fou,

J’ai perdu ma sagesse,

Tu m’as changé, mais surtout

Me donnes joie et tristesse.

Tiens pieté de moi

Je suis un pauvre pitoyable,

Je n’ai plus d’espace en ma vie,

Tu me fais un incapable.

Je ne veux pas t’aimer,

Je ne veux pas te désirer,

Seulement ici rester,

Où je ne te peux pas trouver.

Mais sans toi ne peux pas vivre,

Avec toi c’est impossible,

Je ne suis plus un homme libre,

Ma vie est devenue horrible.

Christian de la Salette