terça-feira, 22 de novembro de 2016

Idealista




Chamas-me idealista,
Mas não sou nenhum artista,
Escrevo só  coisas banais.
São mais mágicos os teus ais,
Se no meu leito deitada,
Deixando a noite esgotada.
Tu és uma malabarista
Que equilibra na pista
Que o destino te deu
O meu inferno; o meu céu.
Nem sabes quanto iluminas
Os meus desejos traquinas,
Nem quanto me incendeias
Ao imitares as sereias
Sussurrando-me no breu:
"Quero ter um filho teu!".
Chamas-me de idealista,
Por desejar como autista
Os impossíveis de ter,
È mais fácil perecer
Os meus desejos cansados,
Senti-los abandonados...
Encantas-me com teus segredos,
Envolves entre os teus dedos
As teias do meu destino,
Torno-mo inseto-menino
Quando dizes com ardor:
"Faz-me um filho, por favor!".

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Refeição


Vou comendo o mundo com os olhos, e a saudade sentada junto a mim, à beira-mar. Vou-me alimentando com essa refeição ocular de cores: o mar saltitando nas rochas e deixando um rasto espumoso de leite, o rio entrando nesse mar, verde das algas, terminando a sua viagem misturando-se com o azul e branco. Vou-lhes sentindo os cheiros, aqui nesta falésia que limita o avanço deste corpo que se alimenta pelos olhos, enquanto a saudade se senta ao pé de mim. Desço até à areia e deito-me junto à ausência do teu corpo onde a saudade se deita também. Os meus olhos vão comendo o mundo e eu nunca fico saciado. Fecho-os numa pausa alimentar. Corpo e alma em digestão conjunta. Largo-me aqui, exaurido, esperançado  que esta refeição me retempere as forças e me reencoraje.
Sei-te em qualquer lado! Assim mo disse a saudade, essa minha companheira de jornada. Está aqui, já to disse, deitada na areia a meu lado, no lugar que devia ser teu, no mesmo sítio da tua ausência. Faz-me companhia…
Sei-te… Sinto-te, como sinto esta brisa que passa por mim e me eriça os pelos. Cheiro-te também, nos mesmos cheiros que me trazem momentos conjugados e sabores que quero repetir. Imagino-te parte desta refeição. Entrares em mim através dos olhos... Mas para isso era preciso que saísses de mim, pois tu estás sempre presente, ainda que a saudade de ti me acompanhe. Contraditória esta sensação... Vives comigo e estás ausente. És parte de mim mas não estás aqui. Sinto-te, mas sinto com mais força a tua ausência.
Vou comendo com os olhos o mundo. A minha voracidade é enorme e a fome de ti nunca se acaba.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Homeless


São estreladas as noites
Quando as nuvens não acordam,
Este quarto a céu aberto
É todo meu, se concordam.
Tanjo às vezes um bandolim
Ou um órgão desafinado,
Por companhia um mastim,
Cão de rua arraçado.
Meu colchão é de papel,
Ou de cartão apanhado,
A rua é o meu hotel,
O meu quarto em qualquer lado.
Trabalho por uns tostões
P'ró tabaquito ou p'ró charro,
Bebo vinho aos borbotões
Enquanto arrumo um carro.
Possuo o mundo em redor
Mesmo não tendo dinheiro,
Afastam-se todos de mim...
Será de medo ou do cheiro?
Vivo ao pé de tanta gente,
Vagueio na multidão,
Quem me vê já não me sente,
Acompanho a solidão.


quinta-feira, 19 de maio de 2016

Imperdoável




Já é tarde quando chegas,
Nem sabes por onde andaste,
Trazes no hálito a noite;
Dás-me ciúme e açoite,
Fazes de mim o teu traste.
Já é tarde quando chegas.
Quisera que não viesses;
Bebes tanto que até negas
Viveres a vida aos esses.
Novo dia, velho dia,
Desculpas de cordeirinho,
Prometes não repetir,
Da bebida vais fugir,
A tua culpa é do vinho.
Já é tarde quando chegas.
Quisera que não viesses;
Bebes tanto que até negas
Viveres a vida aos esses.
Uso bases, uso cremes,
Disfarço as nódoas com calma.
Desculpo-te as contusões,
Só não esqueço as lesões
Que me fizeste na alma.
Já é tarde quando chegas.
Quisera que não viesses;
Bebes tanto que até negas
Viveres a vida aos esses.
Não tenho para onde ir.
A bebida tudo leva.
Mesmo que queira fugir
Tenho medo de cair
No meio de tanta treva.
Quem me acode, quem socorre,
Quem me tira do sufoco?
Vivo tão amargurada,
Sinto-me tão abandonada
Na dependência de um louco.
Quero morrer pouco a pouco.
Mata-me de uma assentada.
Não me importas em nada,
Já nem sinto a bofetada
Nem ouço teu grito rouco.
Já é tarde quando chegas.
Quisera que não viesses;
Tuas casas são adegas,
Tomara que nelas morresses.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Absorção


Absorves-me a identidade,

Tiras-me toda a essência,

Fico ausente da vontade,

Não me tenho consciência.

Deixo de saber quem sou,

Perco a minha personalidade,

P'ra onde vais é p'ra onde vou

Já não tenho intimidade.

Absorves-me no teu mundo,

Embrenhas-me nos teus segredos,

Torno-me vazio e sem fundo

Fico só com os meus medos.

Já nada faço sem ti.

Em nada existo sem quereres.

Só cá estou se estás aqui,

Só regresso se quiseres.

Mas não quero liberdade,

Só preso a ti é que vivo,

E a mais pura verdade


Só ser feliz se te sirvo.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Nada Faz


Nada  faz com que te esqueça,
Cada vez que vais embora.
Nada faz com que eu mereça
Essa dor que me devora
Quando o teu corpo se ausenta
E o teu regresso demora.
Nada faz que o turbilhão
Que nasceu da tempestade,
No dilúvio da emoção,
Herança  da tua saudade,
Se desfaça em calmaria
Como a noite quando é dia.
Nada faz com que o passado,
Que em nós junto vivia,
Seja nosso em qualquer lado,
Seja nosso em qualquer dia,
E quando o corpo desperta
Em presente se converta.
Nada faz com que se apague
O mal que o mundo nos fez,
Que o nosso destino perdido

Nos encontre outra vez.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Bate coração


Bate, bate coração
Antes que acorde,
Essa dor que é como cão
Que não ladra mas te morde.
Apressa-te em correria,
Acabando cada dia
Sem contar um só segundo
Quantas voltas dá o mundo.
Não gastes as calorias
Pensando filosofias,
Que o passado não volta,
E o futuro anda à solta.
Bate, bate coração
Antes que acorde,
Essa dor que é como cão
Que não ladra mas te morde.
Esconde a mágoa que te come,
Na lembrança que se some,
No bulício desta vida...
Nunca pares a corrida.
Continua sempre em frente,
Sem reparar nessa gente,
Que te tenta acompanhar...
Nem pares p'ra respirar,
Bate, bate coração
Antes que acorde,
Essa dor que é como cão
Que não ladra mas te morde.
Fecha os olhos às ideias,
Não espreites às ameias
Das ruínas do castelo,
Corre lesto em paralelo.
Não deixes marca dos passos
Nem rasto ou outros traços,
Impedindo que a dor
Te persiga com furor.
Bate, bate coração
Antes que acorde,
Essa dor que é como cão
Que não ladra mas te morde.

terça-feira, 5 de abril de 2016

Ódio de Amar


Tu saíste, eu fiquei,
Atado ao teu pensamento,
Tu andaste, eu parei,
Revivendo o momento,
Tu sorriste, eu chorei,
Perdi o teu casamento.
Só ontem descobriste
Porque é que me vais deixar:
Amas-me tanto que te odeias por me amar,
Só hoje eu descobri
Porque é que te vou deixar:
Amo-te tanto que me odeio por te amar.
Tu fechaste, eu abri,
Eu não te consegui  soltar.
Prosseguiste, estagnei,
Não sei como continuar.
Esqueceste, eu lembrei,
Nada me faz olvidar.
Só ontem descobriste
Porque é que me vais deixar:
Amas-me tanto que te odeias por me amar,
Só hoje eu descobri
Porque é que te vou deixar:

Amo-te tanto que me odeio por te amar.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Melancolia

Melancolia...
O tempo abraçado a si mesmo de olhar perdido no dia a cair de sono no colo da noite. A vida como um açoite nas madrugadas juvenis  ressacadas de lânguidos leitos de prazer agoniado; a vida vivida em correria apressando-se para longe do alcance. O sonho em transe, parado no desejo já passado nas margens de um beijo apaixonado,  não se detendo para juntar os lábios em permanência, perdendo-se em matemática ciência.
Melancolia...

A recordação demorada do teu rosto contemplando as utopias desejadas no mergulho do sol nas águas do entardecer, olhando o mundo sem ver. Pequenas coisas belas esquecidas no momento das lágrimas perdurando no íntimo da dor, sabendo que não há regresso à vida que querias, que queríamos... Soluços que se embrulham como azia na barriga da tristeza e antecipar o corpo deitado numa mesa sentindo-o inacabado. Faltando o nosso ao lado...

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Amantes


Deita aqui, não sejas tímida,
Não te vou amargurar,
Há poemas que se escrevem
Contigo a escutar;
Há poemas que se escrevem
Com suspiros e gemidos;
Há outros que não se escrevem,
Nascem só para ser vividos.
Vê lá bem que há quem queira,
Segredar-tos ao ouvido.
Vê lá se arranjas maneira
De ser eu o escolhido.
Senta aqui, não te embaraces,
Não há nada para temer,
Vou limpar as tuas faces,
Tuas lágrimas vou beber.
Sabes bem que há fronteiras,
Para rir e para sofrer.
Sabes bem que a nossa história
Só nós é que a vamos ler.
Vê lá bem que há quem queira,
Segredar-ta ao ouvido!
Vê lá se arranjas maneira
De ser eu o escolhido.
Sai daqui, está na hora,
De voltares à tua vida.
Este poema que temos
Vive-se só de fugida,
Pois há mais que uma maneira
De amarmos com paixão,
Há outros à cabeceira
Partilhando o coração.
Vê lá bem que há quem queira
Ter o teu só para si,
Vê lá se arranjas maneira,
De voltar sempre aqui.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Só preciso o teu sorriso




Quando a noite não me acolhe nos teus braços,
E nas manhãs não me colas os pedaços,
É aí que eu preciso,
Encontrar o teu sorriso.
Quando os muros se erguem nos meus caminhos,
E os dias não me dão os teus carinhos,
É aí que eu preciso,
Encontrar o teu sorriso.
E quando a tarde cai, sem me encontrar contigo,
E tudo o que acontece, parece que é castigo,
Já sabes o que preciso,
Tu sabes o que preciso...
É encontrar o teu sorriso.
Quando na praia anoitece e o pôr-do-sol desaparece,
Quando dia me desperta e o sonho desvanece,
É aí que eu preciso,
Encontrar o teu sorriso.
Quando a chuva cai e molha e o sol não me aquece,
Quando o santo no altar não responde à minha prece,
É aí que eu preciso,
Encontrar o teu sorriso.
E quando a tarde cai, sem me encontrar contigo,
E tudo o que acontece, parece que é castigo,
Já sabes o que preciso,
Tu sabes o que preciso...
É encontrar o teu sorriso.