segunda-feira, 21 de abril de 2008

Ainda...

Julguei amansadas as correntes dos meus rios. Pensava-me livre... Não reparei nas cascatas que se precipitam em mim, esqueci-me que as barragens apenas contêm a água temporariamente; algum dia as comportas teriam de abrir e as águas calmas da albufeira hão-de precipitar-se em tropel e retomar o percurso interrompido. As minhas comportas abriram-se ... Regressam ao seu leito as cristalinas águas, cheias de transparências aparentes, prenhes de minúsculas vidas incolores, invisíveis aos teus olhos. Retomam-se os cursos inacabados...
Afinal a dor só adormece, nunca acaba, talvez até se esconda atrás das portas que vou fechando em mim, por detrás das janelas fechadas ao conhecimento. A dor transporta-se em rios, é uma das suas minúsculas vidas. E os rios das dores afinal nem são rios... São tempestades, ribombar de trovões inesperados que me assustam, relâmpagos que me atingem e queimam e ferem e assam por dentro; raios que me separam em múltiplas partes de mim mesmo, em pedaços que se despedaçam, que se juntam, fundem, se reconstroem e quebram novamente... Um contínuo reviver, um eterno perecer...

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Resquícios


Vou escrever-te um poema merecido,
Que saiba descrever-te por inteiro,
Te permita ver o mundo colorido,
Onde vivas um sonho verdadeiro.
Um poema sem lugar p’ra duras guerras,
Crianças esfaimadas ou doentes,
Longe da miséria d’outras terras,
Perto dos desejos mais urgentes.
Um poema sem promessas não cumpridas,
Sem desejos esmagados ou esquecidos,
Cheio de esperança noutras vidas,
Longe de caminhos já perdidos.
Um poema de paletas p’ra pintar,
A cor da tua alma junto ao mar,
O sopro da ternura em teus cabelos,
Um beijo de carinho ao luar.
Poema com poder de alterar,
Tudo o que na vida te rodeia,
Mudar meu corpo para se tornar
No corpo de quem teu coração anseia.
Poder mudar o tempo p’ra ficar,
Quieto quando te tenho nos meus braços,
Parado embevecido a contemplar
Teu corpo lânguido envolto nos abraços.
Poema de te ter só para mim,
De corpo inteiro e em todo o pensamento,
Poder fazer contigo um jardim,
Recantos partilhados só com o vento.
Poema a sussurrar palavras mansas,
De te fazer com o hálito um colar,
Experimentar contigo novas danças,
Aprender as outras formas do amar.
Poema a desenhar futuros novos,
Entrelaçados num futuro teu,
Comungando contigo noite e dia,
Enxertar a tua vida no que é meu.

Christian de La Salette

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Serenidade


Dormem os campos serenos e apenas os seus cabelos verdes se agitam à passagem de uma suave brisa que te acompanha os passos. Dormem sossegados já sem o teu desassossego, repousam finalmente sem se revolverem à tua presença. Preparam-se para outros cultivos, para receber sementes de outras gentes, germinarem na calmaria das tempestades que sobra dos teus dias, florescerem calmamente sem o atropelo das sucessões dos dias inquietos, sem a chuva que os alagava, sem o frio que os invadia, sem a geada que os queimava, sem o guião que os matava...
Vêm os dias amenos descansar nas horas mortas, sentados à sombra do não querer, enquanto a terra descansa sem se sentir continuamente pisada. Preparam-se os terrenos para nova Primavera.
Serenam as plantas no seu crescimento. Já não és o vento forte que as abana, que lhes derruba as folhas e as parte em partes. Sossegam os rios da tua enchente invernal, correm agora lânguidos, preguiçosos, sem pressa de chegar à tua foz. Acalmam-se as manhãs quando acordam sem ti, as nuvens abrem ... O sol regressa, finalmente!...