segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Enfeitiçado

Ando confuso, sem rumo certo

Perdi-me da minha estrada,

Fico perdido, se não estás perto

Não sei da minha morada.

Não sei como é que tu consegues

Deixar-me tão enfeitiçado,

Que quando tu não estás perto

Sinto-me tão abandonado!

Saio de casa, vou para as aulas

Contigo no pensamento,

Fico tão triste se não me falas

Não ouves o meu lamento…

Como é que posso soltar-te

Se estás agarrada a mim,

Eu não consigo largar-te

Vais comigo até ao fim…

Não sei viver sem teu regaço,

Não posso viver sem ti,

Fica vazio o meu espaço

Se não te tiver aqui…

Não sei como é que tu consegues

Deixar-me tão enfeitiçado,

Que quando tu não estás perto

Sinto-me tão abandonado!

Não posso viver sem o sorriso

Pintado na tua face

Faço tudo o que for preciso

P’ra manter esse teu disfarce.

Ando à deriva, sem ter destino

Buscando sem te encontrar,

A minha vida é um desatino

Não sei onde vou parar.

És tão presente a toda a hora

Até mesmo no meu leito,

És a paixão que me devora

Rebentas-me dentro do peito.

Usas magia, prendes com laços,

Não sei como isso é feito,

Que quando me entrego a outros braços

É contigo que me deito.

Não sei como é que tu consegues

Deixar-me tão enfeitiçado,

Que quando tu não estás perto

Sinto-me tão abandonado!


Christian de La Salette

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Para quê, Nini?

Para quê chorar se as minhas lágrimas não correm nos teus rios?; para quê gritar se os meus ecos se perdem nos teus vazios?; para quê sofrer se não podes curar meus desvarios?; para quê sonhar se os meus sonhos são levados pelos desvios?...
Para quê esperar-te noite e dia sem sentido?; para quê desejar-te se não respondes ao meu pedido?; para quê procurar-te se me sentir sempre perdido?; para quê amar-te se não for correspondido?...
Para quê chorar?
Perdem-se muitas lágrimas no precipício dos dias, caem desamparadas no rosto da tua ausência, esgota-me a paciência de te esperar e não vires. Choram as músicas que partilhámos porque agora não as ouves e perdem-se solitárias nos meus ouvidos, na recordação das emoções que vivíamos juntos quando fechávamos os olhos e deixávamos que a sua melodia nos levasse nos seus braços, em direcção ao único sítio onde existíamos os dois enquanto o tempo corria esquecido de nós, e assim ficávamos, amantes ao luar do meio dia, abraçados em sentimentos fugazmente partilhados. Não te lembras?
Para quê gritar?
Só tu é que não ouves os meus gritos quando é por ti que grito, só tu é que desapareces no silêncio que me mostras de vez em quando, e eu perco-me na cidade gritando em todo o lado por ti, em todos os lados onde sentia a tua presença. Não me respondes porque é só isso que me sabes responder… a mudez do nada.
Para quê sofrer?
Às vezes os meus caminhos passam na tua porta, as minhas estradas levam-me ao teu lar; não ouso bater ou entrar. Fico na escuridão da noite deste Outono/Inverno olhando a tua silhueta movimentando-se de um lado para outro à contraluz. Breve me afasto para que não me vejas ou sintas, para que não me vejam e acusem, querendo que me visses e sentisses, querendo que me vissem e te acusassem a minha presença. E sinto ciúmes desse espaço onde não habito, desse lar onde não pertenço, de todos os móveis e adereços que recebem o teu toque e cuidados. Às vezes gostava de ser uma peça de mobília em tua casa: um sofá para te sentares; um bibelot para limpares suavemente o pó como quem faz uma carícia; um espelho onde te mirares envolta em toalha de banho ou mesmo sem ela; uma cama para te deitares; uma almofada para chorares…
Para quê sonhar?
Os sonhos podem ser cruéis quando não sobrevivem à noite, ao sono, podem criar ilusões que se desfazem à luz do dia, como grãos de areia esvaindo-se por entre os dedos até que apenas restem uns quantos que se tornam desagradáveis e queremos tirar a todo custo das nossas mãos porque nos incomodam; os sonhos podem ser belos quando se realizam no coração de quem se ama apesar do sono se ter ido embora, se ficarem e não se partirem em pedaços quando a manhã nos acorda, se crescerem e não se perderem cada vez que abrem os olhos…
Para quê esperar?
De cada vez que desapareces deixas-te ficar fechada na minha vontade de não te deixar ir, apesar de ires quando mais preciso de ti, quando mais insuportável se torna a vontade de te ter ao pé de mim. Abandonas-me de cada vez que te espero sem to dizer, de cada vez que procuro ver-te e não consigo, de cada vez que os meus olhos te dizem o que a minha boca cala. Foges-me cada vez que te recordo, cada vez que em ti penso e tu não estás aqui…
Para quê desejar?
Quanto mais cresce o meu desejo mais insuportável se torna, mais me enlouquece a vontade de te abraçar, de sentir o teu corpo no meu, de te tocar, de te cheirar, de te beijar, de te acariciar com sofreguidão, de te apertar. Nascem-me ciúmes de todos a quem te dás, daquele a quem te dás; enraivece-me a impotência de ocupar o lugar dele, de não ser eu quem te toca a tua pele e sente o calor que ela emana, de não ser por mim que se eriçam os teus pelos, de não ser a mim que tu te entregas…
Para quê procurar?
Hei-de-me perder sempre na tua busca, nos ermos em que se transforma a minha existência quando a tua luz não me guia. É um buscar sem fim porque nunca me deixas encontrar-te, porque não queres que eu te encontre, porque não é a mim que queres encontrar…
Para quê amar?
Porque nem é amar este somatório de queixumes, de desencontros, de prostração de joelhos em que me humilho, neste contínuo chorar por um amor teu, uma migalha do amor que dás ao outro, quando eu é que não soube guardar-te, me encolhi na comodidade da minha vida enganada, te prometi o que não podia dar-te, te acusei de me fazeres sofrer, e corria sem pensar ao teu encontro sabendo-te triste tentando alegrar-te com a minha tristeza. Às vezes sou tão patético!…
Só às vezes?!!!
C. L.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Depois do nunca


Ainda dorme o nosso leito quente. Ficamos de olhos abertos sem ver a noite acabada, o dia a despontar timidamente na dobra dos lençóis, como se tivesse sido apanhado no meio de uma travessura. Os nossos abraços estão cansados depois desta noite sem sono, deitam-se languidamente ao lado dos nossos corpos despidos, nus até dos preconceitos que nos vestem fora da nossa cama. A nossa vontade permanece adormecida também. Queremos ficar assim até nos esquecermos de tudo, de todos… das responsabilidades e irresponsabilidades, perder a noção do pecado, perder a noção de tudo que não seja esse momento, esse pedaço de tempo que fica estático na contemplação dos nossos corpos suados. Aos poucos entrelaçam-se os dedos. Desperta devagar novo desejo que vai subindo até às nossas bocas, um frémito eléctrico nos percorre totalmente. Embrulham-se outra vez os lençóis, misturando-se o de cima no de baixo, esqueceram o cansaço… A noite repete-se na manhã, a manhã encadeia-se na tarde e a tarde deita-se com o anoitecer. Ninguém nos pede nada; não há crianças para levar à escola, não há livros para estudar, pequenos-almoços a preparar, lanches, mochilas, piscinas, tempo esgotado… Somos só os dois… corpos deitados que se tornam um só em movimentos alternados. Corpos instinto na sofreguidão do sexo voraz que nos consome, sem pudores… perdemo-nos no reencontro dos nossos corpos, no desejo partilhado nos milhões de poros brilhantes de suor. Vagueia o mundo lá fora à nossa espera. Cansa-se de esperar por nós. Fingimos que não existe. Para mim só existe o êxtase nos teus olhos fechados, esses olhos onde se afunda toda a minha resistência e me prendem na certeza do prazer jamais imaginado, assim sentido a dois, como devia ter sido há muito tempo, como devia estar destinado. Serenamos. Aos poucos regressamos ao presente e, mesmo não querendo, despejamo-nos outra vez no mundo dos outros. Tornamo-nos iguais a eles.
Outro dia talvez…
Christian de La Salette

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Sentir de Corpo Inteiro



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Sinto os olhos marejados
Num sentir que me desgasta
Porque olhar-te não me basta,
Quero-te em todos os lados.
Sinto o cheiro do ciúme,
Odor, aroma ou essência,
A traição da ausência
Misturada em teu perfume.
Sinto o espaço que separa
O beijo da tua boca,
A lágrima que fica louca
Se o teu lábio não a apara.
Sinto uma dor na garganta
Como um colar apertado,
Nó que me deixa engasgado
Se a tua voz não me canta.
Sinto os meus braços vazios,
Quando envoltos só em mim,
A solidão sem ter fim
Numa ilha sem navios.
Sinto o meu peito gelado
Sem ter o teu para encosto,
O sabor acre a desgosto
Por não te ter a meu lado.
Sinto as mãos encarquilhadas
Pelo frio que provocas
Cada vez que não me tocas,
De ti estão separadas.
Sinto no ventre a agonia
Dos dias longe de ti,
A dor de não te ter aqui
Só para me dar alegria.
Sinto a dor da excitação
Quando me abraço contigo,
Sinto-te como um castigo
Sem me dares a absolvição.
Sinto as pernas entorpecidas,
Por não saberem andar
Sem ter as tuas por par…
Cansadas, param, vencidas.
Sinto os joelhos tremer
Como da primeira vez
Que o dia em luz se desfez.
Sinto nunca te ter…
Sinto nos pés as dores,
Que em todo o corpo transporto,
Mas dessas dores não me importo
Se te seguir onde fores.
Sinto-me sempre enganado,
Quando em ti eu não me leio,
Chego até a ter receio
De ser eu o teu amado.

Christian de La Salette

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Niniflora


Nasce uma flor em cada dia,
Diferente na fragrância, no perfume,
Aroma que tão breve me inebria,
Odor que me desperta o ciúme.
Abre-se completa a todo o vento,
Ondula sob as brisas mais ligeiras,
Insinua-se em suave movimento,
Roça-me com suas pétalas brejeiras.
Atrai-me ao seu pólen como insecto,
Afasto-me sem contudo me afastar,
Transforma-me num mero objecto,
Cada vez que a atrevo contemplar.
Desejo ser jarra bem garrida,
Poder em mim seu caule abraçar,
A luz que a abre para a vida,
A terra para seu corpo alimentar.

Nasce uma flor a cada hora,
Diferente na textura e na cor,
Criando uma tontura que devora,
Tudo o que rodopia em seu redor.
Pisam essa flor, os ignorantes,
Da dor que lhe provocam sem remorso,
Roubam-lhe os seus belos instantes,
Colhem o seu pólen sem esforço.
Roubam-me essa flor sem tal saberem,
Ignoram que ela é minha, sem o ser,
Tiram-ma sem sequer se aperceberem,
Que fico muito mais perto de morrer.

Christian de La Salette

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Alma Vaga


Solta-te minh’alma presa
Junta o voo ao teu bando
Em busca da luz acesa
Que fraca vai apagando,
Essa luz que em cada dia
Se renova em esperança
Te provoca a agonia
Da vertigem dessa dança,
Desse imparável volteio
Que renasce a toda a hora,
Desse infindável receio
De sentir que vai embora,
A chama que te alumia
Esse trilho abandonado
Onde vagueias perdida
Sem chegar a qualquer lado,
Onde caminhas sem passos
Inquieta e naufragada,
Onde mergulhas abraços
No vazio do teu nada.
Voa em raiva renascida
Nessa busca desesperada,
Da terra do nunca perdida
Entre a noite e a madrugada,
Como Fénix renovada
Por uma morte queimada,
Fazendo das chamas vida
Nas cinzas reencontrada.
Dança livre na loucura
Do vazio que te tapa
Como vontade futura
Que de ti sempre se escapa,
Como desejo incoerente
Como anseio desesperado,
Dança minh’alma indigente,
Faz de conta que és de gente
E não deste pobre coitado…

Christian de La Salette

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Aniversário II


Mais um ano por ti passa,
Mais alguns estão p’ra vir,
Que venham cheios de graça,
Com coisas de fazer rir.
Que venham engalanados,
Festivos e coloridos,
Tragam fortunas no saco,
Sorte para os que te são queridos.

Mais um ano, mais um dia,
Mais horas, minutos, segundos,
Se pudesse eu te daria,
O melhor que há nos mundos,
Saúde, pão, diamantes,
Safiras, rubis, e ouro,
Esmeraldas e brilhantes,
O mais secreto tesouro,
O desejo mais guardado,
Beijo de amor alucinante,
Um colar feito de abraços,
Amar louco de amante.

Mais que tudo te daria,
Toda a minha amizade,
Se de mim tal dependesse;
Mais que tudo eu te daria
O meu amor de verdade
Se a mim tal pertencesse.
Mas nada mais posso dar,
Já não os tenho comigo,
A outra me fui entregar;
Quem dá não torna a tirar…

Dou-te este poema de amigo.

Christian de La Salette

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Acorrentado


Sangra-me a tua ausência como um espinho cravado nos pés que caminham nos meus dias. Instala-se a solidão na mudez do teu espaço que me ocupa totalmente. Dias a fio sem te ver... Dias a fio em que me atormentas com o teu silêncio enquanto tudo em mim grita por ti, tudo em mim anseia por um olhar teu, uma palavra tua, uma suave carícia da tua pele na minha, um som dos teus lábios nos meus ouvidos, um pequeno roçagar em mim. Invadem-me as recordações desejadas, aquelas que me provocam saudade de não terem sido, um sentimento de perda de algo que nunca tive. Rejeito as madrugadas que não te encontram no meu leito, as manhãs que não me encontram contigo à mesa de um café conversando futilidades, as tardes que não nos passeiam de mãos dadas nos jardins cúmplices do nosso amor inexistente, o entardecer sem um pôr-do-sol partilhado nos olhos. Rejeito os dias de chuva sem te ter junto à lareira olhando na janela as gotas de água escorrendo e o cinzento exterior contrastado no brilho dessa lareira da nossa casa imaginada. Rejeito o som do granizo no telhado desse ninho de amor em noite de invernia, imagem dos meus dias sem ti...
Deixa-me sonhar outra vez!

quinta-feira, 1 de maio de 2008

I need your love


Há músicas que têm poemas que devem ser escutados de olhos fechados, imaginando-nos junto de quem mais queremos nesse momento. Há músicas que se ouvem de lágrimas nos olhos. Esta é uma delas!
Há momentos em que as palavras estão a mais, estragam os sentimentos, ocultam a magia das imagens que se formam no interior de nós mesmos. Esta música provoca um desses raros momentos!

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Ainda...

Julguei amansadas as correntes dos meus rios. Pensava-me livre... Não reparei nas cascatas que se precipitam em mim, esqueci-me que as barragens apenas contêm a água temporariamente; algum dia as comportas teriam de abrir e as águas calmas da albufeira hão-de precipitar-se em tropel e retomar o percurso interrompido. As minhas comportas abriram-se ... Regressam ao seu leito as cristalinas águas, cheias de transparências aparentes, prenhes de minúsculas vidas incolores, invisíveis aos teus olhos. Retomam-se os cursos inacabados...
Afinal a dor só adormece, nunca acaba, talvez até se esconda atrás das portas que vou fechando em mim, por detrás das janelas fechadas ao conhecimento. A dor transporta-se em rios, é uma das suas minúsculas vidas. E os rios das dores afinal nem são rios... São tempestades, ribombar de trovões inesperados que me assustam, relâmpagos que me atingem e queimam e ferem e assam por dentro; raios que me separam em múltiplas partes de mim mesmo, em pedaços que se despedaçam, que se juntam, fundem, se reconstroem e quebram novamente... Um contínuo reviver, um eterno perecer...

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Resquícios


Vou escrever-te um poema merecido,
Que saiba descrever-te por inteiro,
Te permita ver o mundo colorido,
Onde vivas um sonho verdadeiro.
Um poema sem lugar p’ra duras guerras,
Crianças esfaimadas ou doentes,
Longe da miséria d’outras terras,
Perto dos desejos mais urgentes.
Um poema sem promessas não cumpridas,
Sem desejos esmagados ou esquecidos,
Cheio de esperança noutras vidas,
Longe de caminhos já perdidos.
Um poema de paletas p’ra pintar,
A cor da tua alma junto ao mar,
O sopro da ternura em teus cabelos,
Um beijo de carinho ao luar.
Poema com poder de alterar,
Tudo o que na vida te rodeia,
Mudar meu corpo para se tornar
No corpo de quem teu coração anseia.
Poder mudar o tempo p’ra ficar,
Quieto quando te tenho nos meus braços,
Parado embevecido a contemplar
Teu corpo lânguido envolto nos abraços.
Poema de te ter só para mim,
De corpo inteiro e em todo o pensamento,
Poder fazer contigo um jardim,
Recantos partilhados só com o vento.
Poema a sussurrar palavras mansas,
De te fazer com o hálito um colar,
Experimentar contigo novas danças,
Aprender as outras formas do amar.
Poema a desenhar futuros novos,
Entrelaçados num futuro teu,
Comungando contigo noite e dia,
Enxertar a tua vida no que é meu.

Christian de La Salette

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Serenidade


Dormem os campos serenos e apenas os seus cabelos verdes se agitam à passagem de uma suave brisa que te acompanha os passos. Dormem sossegados já sem o teu desassossego, repousam finalmente sem se revolverem à tua presença. Preparam-se para outros cultivos, para receber sementes de outras gentes, germinarem na calmaria das tempestades que sobra dos teus dias, florescerem calmamente sem o atropelo das sucessões dos dias inquietos, sem a chuva que os alagava, sem o frio que os invadia, sem a geada que os queimava, sem o guião que os matava...
Vêm os dias amenos descansar nas horas mortas, sentados à sombra do não querer, enquanto a terra descansa sem se sentir continuamente pisada. Preparam-se os terrenos para nova Primavera.
Serenam as plantas no seu crescimento. Já não és o vento forte que as abana, que lhes derruba as folhas e as parte em partes. Sossegam os rios da tua enchente invernal, correm agora lânguidos, preguiçosos, sem pressa de chegar à tua foz. Acalmam-se as manhãs quando acordam sem ti, as nuvens abrem ... O sol regressa, finalmente!...

quinta-feira, 20 de março de 2008

Sereia


Naufragam todos os barcos
Que passam ao largo de ti,
Encantas-lhes os marinheiros,
Ficam sem saber de si.
És sereia enganadora,
Com teus cantos de encantar,
Coitado de quem se afoita,
Nas águas frias do mar,
Onde ficas noite e dia,
Lançando os teus feitiços,
Cantando sem alegria,
Para os corações mortiços.

Já nasceste assim sereia,
Nas dunas à beira-mar,
Nasceste em berço de areia
Com Neptuno a embalar.

Os que pensam estar na rota,
Mais segura deste mundo,
Ao passarem na tua ilhota,
O seu barco vai ao fundo.
Coitados dos navegantes,
Não sabem como escapar,
É poderosa a magia,
Que os leva a naufragar;
Mesmo que avisados,
Por outros que lá passaram,
Querem tentar ser primeiros,
Daqueles que te enganaram.

Já nasceste assim sereia,
Nas dunas à beira-mar,
Nasceste em berço de areia
Com Neptuno a embalar.

Só um deles foi Ulisses,
Mas guarda-lo bem, não o mostras,
Encantou-te o coração
Desfazes os dos outros e gostas.
Só um deles foi capaz
Em noite de distracção,
Ir montado no seu barco
E roubar-te o coração.
Só há um afortunado,
Quem dera que fosse eu,
Fiquei por ti encantado
Mas o teu amor venceu.

Já nasceste assim sereia,
Nas dunas à beira-mar,
Nasceste em berço de areia
Com Neptuno a embalar.

Christian de La Salette

terça-feira, 18 de março de 2008

Omnipresença


Tornam-se pesarosos os meus dias com a tua ausência física. Apenas física porque a tua presença é constante, em todas as horas, em todas as minhas acções, em todos os meus pensamentos. Quanto mais tento apagar-te mais forte é a tua presença em mim. Tento...

Falham-me as ideias cada vez que as tento desviar de ti, ocupam os meus braços as lembranças do teu corpo neles, cada sombra do vento na minha vida é um reflexo da tua imagem, em cada ondular dos meus sonhos tu estás presente! Tornaste-te omnipresente em tudo o que me pertencia, em toda a minha intimidade, mesmo na que partilho com outra, com outros. Cada gesto teu é projectado no gesto dos que vivem comigo, cada relato do seu quotidiano é uma pergunta sem resposta sobre como é o teu dia, como foi, como correu. Interrogo-me se saboreias esta minha dependência, se te dá prazer saber que estou viciado em ti, que jamais conseguirei esquecer-te.

Se eu não te amasse tanto assim!...

Se eu não dependesse tanto das minhas recordações dos breves momentos que partilhámos...

Se eu não estivesse tão obcecado por ti!...

Lembras-me um barco que se afasta no mar da minha vida deixando-me isolado na ilha dos dias costumeiros, perdido todo o encanto do paraíso inicial. Levas contigo toda a minha remota possibilidade de salvação tornando-me definitivamente náufrago, à mercê da tua vontade de regressar um dia. Só que não regressarás e não há mais ninguém que saiba a rota que vai dar a esta ilha. Abandonaste-me porque te rejeitei. Rejeitei-te porque não me quiseste. É um jogo do querer e não querer que se torna no jogo diário que jogamos os dois.

Pensava que seria difícil dizer a quem amava que estava apaixonado por ti. Não sabia era que isso era o mais fácil! Difícil é ter de viver com quem amo e rejeitar quem desejo sabendo que quem amo não admite que te deseje. Difícil é desejar-te em quem amo sabendo que nunca estarás no lugar que eu quero; que serás sempre um vazio imaginado no meu leito, que eu estarei vazio em toda a minha entrega a quem amo. Eu já não me entrego. Apenas me abandono. Não é a minha vontade que se entrega, é o meu dever. Não é o meu desejo que se entrega, é a minha obrigação. Não é o meu corpo que se entrega mas sim o corpo que tu rejeitaste... Esvazio-me completamente nessas entregas. A minha alma viaja externamente, os meus olhos fecham-se embora continuem abertos em pensamentos. Sou mais infiel agora do que antes de lhe contar da tua existência, pois agora estás presente até nos gestos dela, nas atenções dela, no carinho dela, nas carícias dela, no conhecimento dela...

Respiro-te em cada movimento dos meus pulmões. Inalo-te em cada lufada de ar que entra em mim.

E para quê?...

sábado, 15 de março de 2008

Chora por mim

Chora por mim que eu não posso,
Fechei o coração bem fundo,
Grita por mim que eu não ouço,
Retirei-te do meu mundo.
Afasta de mim as loucuras,
As mil vontades de morrer,
Diz-me palavras duras,
Ajuda-me a te esquecer.
Chora por mim que eu não sei,
Como vou sobreviver,
Condenado por essa lei,
Que manda sem ti viver.
Reza por mim com fervor,
Usa todas as orações
P’ra me arrancar este amor,
P’ra matar as ilusões.

Chora por mim!…

Ensina-me qual é arte,
A ciência mais exacta,
Que subtraia o amar-te
Sem esta dor que me mata.
Finge-te longe de mim,
Num lugar inalcançável,
Pois eu sei que só assim,
Ficarei invulnerável.
Faz com que a dor que me segue,
Deixe de ser meu tormento,
Pede a Deus p’ra que me cegue
Os olhos do pensamento.
Limpa-me toda a lembrança,
De tudo o que nela gravaste,
Provoca-me uma mudança
Dá-me tudo o que te afaste.

Reza por mim!…

Procura um canto escondido,
Distante do meu olhar,
Serei menino perdido
Cada vez que te encontrar.
Evita os meus caminhos,
Esconde-te no nevoeiro,
Pois para mim são daninhos,
A tua presença, o teu cheiro.
Ausenta a tua essência,
No meu corpo impregnada,
Destrói-me na consciência
A tua imagem marcada.
Esquece de mim o calor
Em cada abraço apertado,
O meu beijo, o meu ardor,
Em cada afago roubado.

Pede por mim!...

Afasta da minha memória,
Esse dia malfadado,
Que a ti te deu a vitória,
Fez de mim um derrotado,
Perdido nos teus enredos,
Oculto na tua história,
Me devolveu os meus medos,
Me roubou toda a glória.

Sei qual é o meu destino,
No que resta p’ra viver,
É tirar-te do meu tino,
Lembrar-me de te esquecer.

Christian de La Salette

quarta-feira, 12 de março de 2008

Horizontes

Levantam-se os horizontes já cansados,
As velas não se enfunam, não há ventos,
Navegam em naus de quatro rodas,
Em estradas de agonias e tormentos.
Acostam em lúgubres ancoradouros,
Cais de rotineira perdição,
Atracam-se a futuros não vindouros,
Largam as amarras da paixão.
Procuram novos rumos em velhas rotas,
Em ondas feitas do seu próprio sal,
Sulcam vagas bravas e revoltas,
Procuram com afinco outro portal,
Que os transporte além desta realidade,
Em caminhos do espaço sideral,
Em íntimos escondidos da verdade,
Em ilhas que se ocultam do real.
Cansam-se os horizontes em procuras,
Tentando vislumbrar quotidianos,
Linhas que demarquem oceanos,
Alívios para os males e novas curas.
Gemem suas mágoas, desenganos,
Embriagam-se nas dores que os atormentam,
Prostram-se cansados pelos anos,
Em catres, nos pesares, que eles inventam.
Já se esqueceram da cor do pôr-do-sol,
Dos raios de ouro ao entardecer,
Do próprio Sol deitando-se no seu leito,
Dos dias calmos e serenos a adormecer.
Repetem as suas cores todos os dias,
Vivem em aborrecimento permanente,
Perderam totalmente as ousadias,
Arrastam-se no passado já ausente.
Já não querem mais ser horizontes,
Ser fim do mar perdeu todo o encanto,
Deitam-se novamente ao fim do dia,
Para que a noite os cubra com o seu manto.

Christian de La Salette

terça-feira, 11 de março de 2008

Desencontros

Nem sabes C. como te entendo na tua dor. Essa dor que nasce por vermos outra pessoa nos olhos de quem se ama, esse baque que nos atinge e nos derruba e a certeza de que ao abrirmos os braços encontraremos um vazio entre eles. Foi assim comigo durante anos cada vez que te olhava, cada vez que não me via nos teus olhos, cada vez que te negavas a olhar para mim, deitando-me apenas olhares fugazes para que eu não te fugisse. Aos poucos a memória do meu coração foi-se fechando, a dor foi-se tornando suportável, a razão foi ocupando o espaço vazio que tu deixavas nos meus dias. Novos dias vieram...
Novos amores?
Não sei se o passado se foi esquecendo de me atormentar no presente ou se o destino pretende pregar-me uma partida ainda mais cruel. Como viver entre quem se ama e quem nos quer? Sobretudo quando amamos quem não nos quer? Como rejeitar uma amizade porque nos magoa ou aceitar uma outra porque se acomoda no nosso coração, porque substitui a ausência do amor de outro?
Sei o que é viver no limbo dos sentimentos, no purgatório das emoções mais contraditórias. Amar e ser amado! Parece simples, não parece? Mas é um verbo que necessita ser conjugado pelas mesmas pessoas para se tornar simplificado. Amar quem não nos ama imuniza-nos à dor dos que sofrem o mesmo por nós. Ser amado por quem não queremos, martiriza-nos a consciência pela rejeição que não temos coragem de assumir. Prendemo-los a nós para nos aliviarem o sofrimento que sentimos pela ausência do amor de outro, aquele que queremos verdadeiramente, no momento. Só que essa prisão às vezes também nos prende a nós e só damos conta disso quando já é demasiado tarde, quando tivermos deixado escapar a oportunidade de conjugar o verbo na sua simplicidade: amar e ser amado!
Eu vi o baque nos teus olhos. Vi a tua dor no desprezo com que me falaste: “Há tempo suficiente!...” Tempo suficiente para sentir o turbilhão das emoções invadirem a nossa vontade, para o desespero tomar conta de nós, para afinal descobrir o que era óbvio e não permitimos que se soltasse de nós por condicionamentos morais. Contra os princípios...
Dói!...
É uma dor alucinante que embota os sentidos, a razão, o discernimento; que nos torna mortos-vivos no vaguear dos dias, ausentes da nossa realidade. Uma dor que nos comanda irracionalmente e nos faz desejar terminá-la, a qualquer preço, de qualquer forma... É uma dor que vai germinando e tornando-se cada vez mais forte, que nos domina ao ponto do inconcebível. É uma dor que nos dá vontade de inexistir...
Quem amo eu, afinal?
Quem me ama, afinal?
Rejeitar quem nos ama, amar quem nos rejeita! O destino é um diabrete travesso que vai brincando com os corações dos incautos que se atravessam nos seus domínios, indiferente às feridas que se abrem, às lágrimas que se perdem...

Christian de La Salette

sábado, 8 de março de 2008

Amizade


Seremos sempre amigos...

Conforta-me essa ideia do eterno,
Essa certeza que se perde tempo além,
Essa amizade, sentimento puro e terno,
O carinho e ternura que ela tem.
Conforta-me a certeza que me dá,
Ter-te dessa forma em minha vida,
Saber que onde estás sempre estará,
Uma parte de mim que te é querida.
Alegra-me esse laço que nos une,
Enternece-me saber que tu esperas,
Poder com o meu amor tornar-te imune,
A todos os demónios e às loucas feras.
Mesmo não sendo mais que apenas homem,
Sem poderes para além dos naturais,
Orgulha-me a confiança que me entregas,
Envaidece-me servir-te como cais.
Sinto serenado o coração
Imaginando-me toda a vida a teu lado,
Permanecendo na tua recordação,
Sentir-me dessa forma sempre amado.
Confia-te pois a mim sem ter reservas,
Entrega-te sem estabelecer as condições,
As minhas vontades a ti te serão servas,
Entrego a ti as minhas ilusões.
Sei onde parar quando cansado,
Em ti há uma pousada retemperante,
Recobro as minhas forças a teu lado,
Refaço-me contigo num instante.
Nada é mais forte que um amigo,
Para empurrar a vida para a frente,
Se tu alguma vez não fores comigo,
Serei homem vazio, alma ausente.
Por isso aqui me tens ao teu dispor,
Serei como eunuco no teu harém,
Servo dedicado ao teu amor,
Unguento se outros te magoarem.
Estarei sempre aqui à tua espera,
Irei onde quiseres, qualquer lugar,
Tudo eu farei por ti e quem me dera,
Tudo te dar, amor, tudo te dar...

Christian de La Salette

quinta-feira, 6 de março de 2008

Nau tristonha

Ando à deriva num barco sem leme nem mastro. Embato nos escolhos deste mar poluído em que se transformou a corrente dos dias. Acordo já naufragado...
Tentei tirar de mim a carga que afunda o meu navio. É impossível!... É impossível!... É impossível!...
Rezei a todos os anjos, pai-nossos, avé-marias; chorei no banco da igreja onde me prometi um dia todo a ela totalmente. Pedi ajuda divina para não ficar demente.
Passeei-me, vagueando, por entre as vagas da vida... Não há porto nem abrigo, não há mar nem oceano, que aliviem este castigo, que me levem ao desengano. Não há nada que me brilhe a luz que me guie neste remar tão insano, contra a maré da loucura, contra os ventos do martírio, não há farol que me guie...
Navego sempre às escuras, tacteando a escuridão, navego às apalpadelas no muro da solidão, nessa parede sem portas, nesse lugar sem saída das trévoas da gente morta, das névoas e neblinas.
Naufrago todas as noites um naufrágio repetido desfeito em sal nos meus olhos. Não vejo doca nem cais, molhe para os meus ais, não vejo p'ra lá de mim... Dia a dia é sempre assim.
Rasgam-me os meus costados sentimentos icebergues, afundo-me num mar gelado sem encontrar os albergues das dores que em mim transporto; tantas dores que não suporto!...
Perdi o rumo da vida, a rota da alegria. Navego sem mastro nem leme. Hei-de morrer algum dia!...

Dorme meu amor, dorme



Dorme serena, amor, dorme
Velarei por ti de noite,
Imagina-me a teu lado;
Nem que o sono me açoite,
Ficarei sempre acordado.
Dorme, meu amor, dorme...
Já não faz vento lá fora,
Já fugiu a tempestade,
Fui eu quem os mandou embora,
Disse-lhes que já era tarde.
Não quero que que vos acordem
Nem a ti, nem teus meninos,
Mandarei calar os sinos,
Pararei toda a desordem,
Tudo ficará em ordem.
O teu descanso sagrado
Ninguém há-de perturbar,
Calarei todo o ruído,
Mandarei calar o mar,
Ninguém te pode acordar.
Velarei por ti atento,
Até ao romper do dia,
Nenhum sopro, nenhum vento,
Nem o ar da maresia,
Têm minha permissão
P'ra andarem em correria,
Brincando na confusão,
No auge da euforia;
Nem pinheiros na floresta
Sussurrando entre si,
Têm minha autorização
Para te acordar a ti.
Nem o frio, nem geada,
Nem o sol da madrugada,
Nem a lua a brilhar,
Te poderão despertar.
Dorme meu amor, dorme!

Christian de La Salette

quarta-feira, 5 de março de 2008

Amargura

Sei a cor da escuridão,
Sei-o pois nela vivo.
Sei o som da solidão,
Sei o que é andar perdido.
Quem não ouve as minhas preces,
Nem mesmo me mete nas suas,
Tem um coração de pedra,
Não chora nem um gemido.
É fera sem sentimentos,
Os outros são-lhe jumentos,
Bestas de carga falidas
Das suas dores mal paridas.
Quem não me limpa o suor,
Que dos olhos cai sem esforço,
É vil, cruel, é autora
Do lado negro das vidas.
Quem me fere com o desprezo
Que do seu antro desprende,
É víbora cheia de fel,
Madrasta de toda a serpente.
É Cassandra, é Pandora,
Dalila, Helena, Perséfone,
É maldição mitológica,
Vaga de dor imponente.
É bandido mascarado,
Roubando-me os sentimentos,
Hidra regenerada,
A Hera que lhe deu vida.
Quem não me quer não se importa,
Se vivo, se morto eu ando,
Quem me rejeita transporta
A arma do meu homicida.
Procura formas de morte
Das mais dolores, cruéis,
Tortura-me com mil chicotes,
Feitos com os seus anéis,
Bate-me sem piedade,
Não dá tréguas nem dá água,
Só procura variedade
Nas outras formas da mágoa.

Quem não me ama não chora
As lágrimas que tu me deitas,
Quem não me ama ignora
Do que essas lágrimas são feitas!


Christian de La Salette

terça-feira, 4 de março de 2008

Ficas Calada


Chamei por ti ainda hoje e tu acorreste ao meu chamado; não sei porquê mas senti-me amado ainda que os teus lábios me negassem. Logo te foste, após tão breve encontro do qual ficou a nostalgia pairando no espaço. Rápida se instalou aquela dor estranha que regressa em cada partida tua. Sempre mais forte, cada vez mais forte. O tempo passa corre e voa quando estás ao pé de mim, o tempo esmaga e me atraiçoa quando sais de ao pé de mim. Senti-me angustiado com a tua ausência. Mandei-te uma mensagem, um grito de socorro, pedi que acalmasses os meus receios... Ficaste calada, nada me disseste...

Regressam-me os sombrios pensamentos, acabam com a fugaz tranquilidade ganha nesses breves momentos de encontros fortuitos à mesa de um café, nesses ténues momentos de cumplicidade.

Onde estás? Responde, por favor!

Ficas calada!...

Deixas assim que o desespero se apodere novamente de mim, que a tristeza ocupe o espaço que ocupava a alegria de ter estado contigo, que a desilusão tome o lugar da esperança. Nada me dizes, nada me consolas, abandonas-me tão depressa como fazes nas tuas presenças físicas nos meus dias. Visitas de médico... quase tão impessoais como elas.

Ficas calada...

Que podes dizer que não me magoe?!...

Tanta coisa... Podes dizer que é possível amar alguém ainda que não estejas apaixonada por essa pessoa, que te sentes bem com alguém só por estar e poder conversar e que isso talvez seja amor, que sentes a mesma falta de estar comigo como eu sinto falta de estar contigo. Podes dizer que mesmo que o teu corpo se entregue a outra pessoa haverá sempre um lugar no teu coração para mim e que isso talvez seja amor. Que quando não te falo e desapareço na tua vida por instantes, sentes um vazio a apoderar-se de ti e que isso talvez seja amor. Que mesmo que não queiras o meu corpo, sentes falta dos meus abraços e que isso talvez seja amor. Que choras quando me vês sofrer e que se não é pena, talvez isso seja amor. Um amor que eras capaz de aguentar todos os dias, calmo e sereno, que se dá num beijo terno, num abraço quente, num aconchego apertado. Um amor que te faz desejar ter uma pessoa perto de ti por saber que com ela não é preciso ter máscaras, mentir ou adaptar a verdade. Um amor que por não ser carnal se torna mais forte que a paixão, um amor sem desejo que admite o desejo do outro sem se sentir abusado.


Podias dizer tanta coisa...

Porém, ficas calada...

F.

Servil

Amanheces em mim todos os dias,
És presença em todos os momentos,
É vão o esforço, fracos os intentos
De me fechar nas minhas valentias.
Desligo-te o telefone, iludido,
Pensando que assim te desvaneces,
Porém, ao pensar que desapareces
Sou eu quem fica desaparecido.
Finjo-me valente, impermeável
A todos os teus gritos e lamentos,
Corro-te servil aos chamamentos
Fazes de mim criança vulnerável!
Impregnaste-me de ti de tal maneira,
Encharcaste-me os sentidos de tal forma,
Que a minha alma já não se conforma,
Se não te puder ter a vida inteira.

Hei-de passar o resto dos meus dias,
Usando a espátula que o tempo me deu,
Raspando de mim aquelas fantasias,
De fazer-te Julieta e a mim Romeu.
Não posso fingir que te não quero,
Mesmo que mo peças com fervor,
É uma sina que eu já não tolero,
Enganar-me ao negar o teu amor.
E vou chorando a dor nestes meus versos,
Vou-me esvaindo todo nesta escrita,
Escrevendo-te sentidos controversos,
Largando aqui o que a mágoa me dita.

Sucumbo eternamento ao teu encanto,
És fada que me enfeitiça inteiramente,
E cobres-me com o teu falso manto,
Deixando-me sozinho e tu ausente.
Padeço as doenças que me lanças,
Com feitiços que afinal são uma praga,
Danço sem cessar as tuas danças,
Abres-me no ventre enorme chaga.
Peço-te que me cures de uma vez,
Só há uma poção que é infalível,
Procura-a com afinco e avidez,
Transforma-me em objecto apetecível.

Ama-me como se eu fosse o primeiro,
Que entrasse de rompante no teu ninho,
Faz de mim teu único companheiro,
Parceiro que partilha o teu caminho.

Christian de La Salette

segunda-feira, 3 de março de 2008

Martírio

Nem sabes quanto é custoso
Negar a tua amizade,
Não sabes como é penoso
Prender a minha vontade,
Rejeitar o teu sorriso,
Coisa que eu tanto queria,
Não sabes quanto preciso
De ter a tua alegria,
De te ver e ao teu encanto,
De te ter todo o meu dia,
Secando os olhos do pranto,
De tudo o que me angustia.

Negar-te é dor atroz
Que se alastra totalmente,
É um rugido feroz
Que atroa a minha mente,
É uma lança cravada,
É um sofrer demoníaco,
É uma seta espetada
Dentro do músculo cardíaco.
Negar-te é como morrer
A todo o instante e momento,
É conjugar e viver
O verbo do sofrimento.

Refreio-me todas as horas
P'ra não acalmar tua dor,
Mas será por mim que tu choras,
Ou choras por outro amor?
Pedes-me p'ra ser teu amigo,
Pedes p'ra esquecer a paixão,
Mas sabes que não consigo,
É mais forte que a razão,
E quão difícil se torna
Esconder-te à minha vida,
E que a vida se transtorna,
Fica toda revolvida,
Cada vez que tu me falas,
Cada vez que me convidas,
Cada vez que em mim embalas
Esta dor com sete vidas.

Custa tanto rejeitar-te,
É tão duro minha querida,
Fingir não mais amar-te,
Deixar-te morrer com vida!

Christian de La Salette

domingo, 2 de março de 2008

Engana-me

Vem esta noite a minha casa,
Vender-me as tuas ilusões,
Leva-me contigo enganada,
Não há esperança nem razões,
Para me deixares acorrentado,
Ao perfume que deixaste para trás,
Leva-me contigo encarcerado,
No teu olhar, nas tuas condições,
Sabes como é viver assim,
Chorar sem dor, rir só por sofrer,
Leva toda esta trapalhada
Em que se transformou o meu viver,
Deixa-me nalgum canto do olhar,
Quando o teu amor se distrair,
Olhando para quem não te quer dar,
O mundo inteiro que te quer sorrir.
Vem esta noite habitar,
Na neblina que me tapa o céu,
Traz-me a tua luz p’ra acreditar,
Que aquilo que há em ti é tudo meu.
Deixa-me habitar teu coração,
Entrar nos pensamentos que tu tens,
Abre-me as janelas da paixão,
Fingir que quando vais, afinal vens.
Mente-me de forma descarada,
Atira-me rosas doces de bordel,
Faz com que esta mascarada
Seja uma farsa, um livro de cordel,
Engana-me com falas de menina,
Que vai ao baile para ver dançar,
A música que baila sozinha,
No tua forma dança de andar.
Rodopia à minha volta incessante,
Faz-me entontecer só de te olhar,
Que o tempo é menino ignorante,
Dos anos que perdeste sem amar.
Deixa que uma gota de orvalho,
Pouse nas faces do teu pensamento,
Encontra então em mim um novo atalho,
Que te transporte na brisa do vento,
Nesse caminho a sós que partilhamos,
Quando um de nós o outro acompanha,
Separados quando juntos assim vamos,
Amando-nos sem ter a mesma sanha.
Vem esta noite a minha casa,
Deita-te comigo no meu leito,
Quero acordar de madrugada,
Ouvir o ritmo suave do teu peito.

Christian de La Salette

Negrume

As lágrimas falam de sonhos maus,
Do papão que vive no meu peito,
Do meu horizonte sem as tuas naus,
Das dores que dormem no meu leito.
Grita-me a voz enrouquecida,
Chamando insistente a razão,
Manda que te faça enraivecida,
Para acabares com a minha ilusão.
Tenho de ser assim amargo e duro,
Despertar em ti negras vontades,
Erguer entre nós dois tamanho muro,
Que me devolva as minhas liberdades!
Choram as palavras que te escrevo,
Sofrem persistente desespero,
Obrigam-me a escrever-te o que devo,
Impedem-me de escrever-te o que quero.
Mandam-me fazer com que rejeites,
Tudo o que eu tenho p’ra te dar,
Jamais permitir que tu aceites,
Esta forma tão azeda de amar.
São tão cruéis e vis estas sentenças,
Que me forçam a negar tua amizade,
Opõem-se firmemente a que pertenças
À minha dolorosa e triste realidade.
Mas o queria a sério era ir,
Deixar-me levar pela insensatez,
Vaguear eternamente, daqui fugir,
Perder todos os sonhos duma vez.
O que queria mesmo era sair,
De dentro deste corpo assombrado,
Deixar este lugar, logo partir,
P’ra onde nunca fosse encontrado.
O que desejo mesmo de verdade,
Nem mesmo a ti o posso confessar,
É tão forte e secreta essa vontade,
Que só a mim me atrevo a contar.
E peno de mim mesmo arrependido,
Culpo-me das dores que te provoco,
Mas só assim é que pode ser vencido,
Este sentir em mim que me faz louco.
Culpo-me de não ser quem tu desejas,
Culpo-te de não me quereres soltar,
Acuso-me de fingir que tu me beijas,
Cada vez que me perco a sonhar.
Sinto-me de tal forma enfeitiçado,
Que chego a desejar a quem tu amas,
A mais cruel das dores, um mau-olhado,
Que te impeça de partilhar as suas camas.

Christian de La Salette

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Viver sem ti


Cai o manto do tempo sobre o passado. Tapam-se as recordações com a coberta do esquecimento. Apagam-se da memória os sabores dos abraços e os tépidos beijos instalam-se ausentes na memória. Fica grávido de dor o meu ventre, gemem os sentidos mil lamentos e eu tento calá-los com o grito do silêncio, fingir que não ouço estas palavras que te escrevo. Talvez por isso as expulse de mim e as despeje neste papel virtual, para que elas possam ir de encontro aos teus olhos que serão porta de entrada em ti. As minhas palavras são tuas amantes, penetram a tua solidão, namoram contigo na ausência do meu corpo, exprimem a nudez do meu olhar, afagam o teu pensamento. Às vezes são cruéis, enchem-se de ciúmes, tornam-se possessivas e ferem-te. São palavras despeitadas, desamadas, nascidas no fel do sofrimento. São palavras angústia, prenúncio da nostalgia que sentem do tempo que ainda não veio, do futuro que virá sem ti, dessa realidade escolhida pela conveniência do que é correcto fazer. São palavras lágrimas que teimam em cair no que escrevo, que mancham e molham tudo o que escrevo, que se alastram em todas as minhas redacções.

Continuo a visitar-te no que escreves e o desânimo regressa aos meus dias quando não me vejo nas tuas palavras, quando insistes em lembrar-me que eu sou um erro do teu presente, um acontecimento que nunca devia ter existido. E sim, vi-te hoje aqui. Entrei e dei de caras com a tua presença. Saí de mansinho antes que me sentisses, como quem sai do quarto da pessoa amada enquanto ela dorme sossegada. Não conseguiria sair se me sentisses e me chamasses, mas o computador acusou-me, disse-te que aqui tinha estado. Temos de o desculpar; é uma máquina, não tem emoções, não sabe o quanto me custa ver-te e não te falar, ver-te e fugir para que não dês por mim, desviar-me do teu caminho quando o que queria era estar sempre contigo. Não sabe o quanto sofro cada vez que te rejeito, cada mensagem tua não respondida, cada pedaço do silêncio a que me votei. Tenho inveja dessa insensibilidade, dessa falta de emoções que possuem as máquinas. Se eu pudesse encontrar uma fórmula de me manter na tua vida sem sofrer...

O pior é que esta paixão destrói a nossa frágil amizade, não permite que ela sobreviva, não admite que ela possa existir. Obriga-nos a uma separação permanente, a uma ausência mútua na vida que cada um tem, na vida acomodada que não suporto abandonar. Talvez um dia recupere a razão. Talvez um dia tu te concretizes nos teus desejos e os teus sonhos, - os antigos -, se tornem realidade. Que quem amas se torne teu amante, livre das obrigações familiares que o prendem como as minhas me prendem a mim. Mereces ser feliz, mereces apaziguar esse mar revoltoso em que se tornou a tua vida nos braços de quem só tenha braços para ti, nos beijos de quem saiba saborear a felicidade de te ter.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Consegues esquecer?

Consegues esquecer?

Avança o calendário, lentamente. Os dias passam. Vêm as noites... Ah!, as noites são mais dolorosas, envolvem-me com o seu silêncio escuro, precipitam-se em melancolia dentro de mim, reavivam as dores... Nas noites o meu choro não dorme; passeia-se nas minhas faces, infiltra-se na recordação dos momentos que não se repetirão. Já não posso sentir-te e isso dói... Já não posso abraçar-te e isso magoa, alastra-se em dores múltiplas pelo corpo todo. Viciaste-me de ti de tal forma que a ressaca de não te ter torna-se insuportável, é impossível parar a corrente de chagas que se abrem a cada segundo que a tua ausência se materializa em mim, em cada momento em que a tua falta vai latejando no meu consciente. Resta a esperança que o tempo seja um comboio que te leve para cada vez mais longe, que te afaste da estação onde eu fiquei parado, acenando-te um lenço molhado, fitando esse comboio a desvanecer-se no meu futuro. Não voltarás dessa viagem. Tu não voltas!...

Sinto dores que não sabia que existiam, aprendi a medir o tamanho da tristeza e compará-la com o tamanho da solidão. Sei de cor a área que cada uma ocupa em mim... É tão cruel essa geometria!...

Tenho vontade de perder todas as vontades, de sumir para a eternidade, de desaparecer para sempre... sobretudo desta realidade. O meu cérebro enche-se das músicas que partilhámos; recordas-te?: - "When I need you, I just close my eyes and I'm with you." - Se fosse assim tão simples... se bastasse fechar os olhos para que te materializasses... se bastasse levantar as mãos para te tocar...

Porém, os nossos breves encontros foram sempre tristes, assombrados pelas nossas vidas separadas, pelos nossos destinos desencontrados, continuamente presos nessa consciência... mas reproduzi-los-ia todos os dias até que estes se esgotassem. Vale mais um encontro triste do que não ter nenhum. A nossa tristeza mútua atraía os nossos abraços, pedia mimos um ao outro. E era a mim que tu abraçavas enquanto pensavas no outro; eu tinha-te...

Custa tanto esquecer-te.

Christian

Rejeição


Deixa-me sofrer sossegado,
Não voltes p’ra mim teu olhar,
Deixa-me morrer descansado
Quero sozinho ficar.
Já não há sinos tocando,
Primaveras a desabrochar,
Já não há campos verdejando
Nem sementes para plantar.
Saio de ti sem destino
Rumando por vaguear,
Vou procurar um caminho
Que me leve deste lugar.
Gritas e choras mentiras,
Pedes-me para eu ficar
Dás-me a saudade que tiras,
Onde eu a fui enterrar.
Deixa-me sair daqui,
Debaixo da tua influência,
Deixa-me nalguma estrada
Pintada com a tua ausência,
Larga-me nalgum baldio,
Que não saibas a direcção,
Larga-me num sítio vazio,
Onde não haja coração.
Quero ser livre sem sonhos,
Quero não mais querer,
Gastar todos os meus dias
Tentando-te esquecer.

Quero um novo horizonte
Sem ver o teu pôr-do-sol,
Quero beber noutra fonte,
Esconder-me noutro monte,
Rumar ao desconhecido,
Sentir que tudo mudou,
Deixar de me sentir vencido
Por quem nunca me amou.

Quero viver e morrer,
Rir e chorar de prazer,
Fingir que nunca exististe;
Quero novas ilusões,
Preencher com outras paixões
Os bocados de mim que partiste.

Deixa morrer sossegada
A paixão que rejeitaste,
Dá-lhe espaço, dá-lhe ar,
Não a prendas para nada,
Deixa-a vogar à deriva,
Perder-se nesse oceano
De lágrimas cheias de sal,
Ou então ter outro engano,
Padecer do mesmo mal
Em alguém que a queira viva.

Christian de La Salette

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Toque de Finados

Desfaz-me em pedaços,
Tritura-me os sentidos,
Arranca-me os braços,
Apaga-me os traços
Dos tempos vividos
Sonhando contigo
Sendo o teu abrigo.
Corta-me aos bocados,
Fere-me de morte,
Entrega-me à sorte,
Toca os meus finados.
Já nada me importa,
Já nada desejo,
Nada me conforta
A falta de um beijo.
Perdi-me confuso
Em sítios ocultos,
Perdi todo o uso
Rezando outros cultos,
Perdi a razão
Na louca paixão
Sentida por ti,
Perdi-me somente...

Apaga-te de mim,
Deixa-me sozinho,
Só quero um cantinho,
Longe do teu ninho,
Perder o caminho
Que me leva a ti,
Ficar por aqui
Sem mais ilusões,
Perder confusões
Encontrar um fim...

Vai-te de uma vez,
Não voltes jamais,
Já sofro demais
Só por existires,
Só por me partires,
Só por tu partires
Ainda que seja
Apenas na ideia
De quem te deseja.
Some-te sem volta,
Oprime a revolta
Que me enche as entranhas,
Cala o sofrimento,
Rouba ao sentimento
Que assim não me ganhas.

Sai da minha mente,
Bane-te de mim,
Apressa o meu fim,
.........................................
Mata-me simplesmente...


Christian de La Salette

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Intangível


Foges-me! Jogas comigo um jogo de apanha-esconde interminável. Prometes-te, espreitas à porta dos meus dias, mostras-te, engodas-me... Eu busco-te, tento alcançar-te, apanhar-te, tocar-te, mas tu estás sempre a uma distância inalcançável, quase ao estender do braço, como se fosses um barquinho à vela num tanque de água levado pelo vento, para longe de mim, sempre que estou quase a apanhá-lo. Mesmo quando estou recolhido em mim próprio, tentando fugir da tua influência, tu invades-me e aproprias-te do meu pensamento, ocupas toda a minha lucidez. Chamas-me para ti e corro num eterno labirinto onde abres e fechas portas, sempre uma porta à minha frente, nunca me deixando perder-te de vista, nunca me permitindo alcançar-te! Nem consigo ter descanso desse jogo, deixar o meu coração recuperar o fôlego dessa corrida ininterrupta, ficar num troço do labirinto onde não te possa ver e tu me percas, porque tu estás presente em qualquer lado onde eu esteja, em qualquer sítio onde vou. Insinuas-te em sorrisos voluptuosos quando eu quero fugir de ti, bamboleias o teu corpo sensualmente sempre que eu quero desviar os meus olhos de ti. És uma sereia que me prendeu no seu encantamento e como sereia só me libertarás quando o meu barco embater nas rochas e ficar reduzido a pedaços, quando for náufrago da minha vida. Partirás, então, para enganar outro marinheiro, outro incauto que passe nas águas do teu domínio?

Às vezes tento esconder-me de ti, oculto-me noutro homem para que não repares em mim, personifico-me noutro ser, camaleono-me em alguém que te possa ser indiferente, mas assim que estás ao pé de mim desaparecem os meus disfarces, desmascaras-me totalmente.

Às vezes tento calar-te dentro de mim, fingir que tu não significas mais para mim do que um grão de areia significa para uma praia, só que te tornaste um grão de areia dentro do sapato que é a minha vida, que me faz doer cada vez que tento caminhar, que me lembra que estás sempre presente, que enquanto estiveste na praia junto dos outros grãos de areia nada eras e agora significas mais que os outros milhões de grãos de areia todos que continuam lá na praia. O pior é que eu não consigo descalçar-me, sacudir-te, tirar-te do sítio onde te alojaste, porque tu adquiriste vida própria, mobilidade própria, e deslocas-te livremente por mim, fugindo sempre que estou quase a alcançar-te, a apanhar-te. No entanto eu sinto-te enquanto te moves no meu corpo, eu sinto-te enquanto te moves na minha vida.

Hoje vou tentar não correr atrás de ti. Vou-me encolher no meu cantinho à espera que vás ter comigo, fazer-me festas no cabelo, entregar-me o teu regaço para nele pousar a cabeça, dar-me o teu colo para eu me sentir aconchegado. Vou ficar quietinho à tua espera, balançando com a cabeça apoiada nos joelhos, os meus braços abraçando as minhas pernas enquanto não puderem abraçar-te a ti. Não levantarei a cabeça se apenas espreitares na minha sala da solidão; esperarei que te chegues perto, que me toques... Se o não fizeres, o nosso jogo terá de acabar algum dia. Será que sobreviverei a isso?

Christian de La Salette

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Paixão

Paixão é um mar que nos invade,

Que alaga todo o espaço interior,

Trovoada que desperta a madrugada,

Relâmpago que fulmina o alvor.

É tempestade que perturba a calma,

Frémito que nos percorre totalmente,

Terramoto que nos sacode a alma,

Loucura que se espalha pela mente.

É um sentir que vem de enxurrada,

Como cavalos correndo em tropel,

Excitação permanente e desenfreada,

É viver num permanente carrossel.

Paixão é um barco à deriva,

Permanente conquistar o Bojador,

É jangada solta em maré-viva,

Ondas que rebentam com fragor.

É um sorriso quente ao acordar,

Trémulos desejos descontrolados,

É um perder-se e nunca se encontrar,

Em trilhos de aventura não marcados.

É necessidade nunca saciada,

Riso e choro em perpétuo vaivém,

Dar-se recebendo quase nada,

Um possuir egoísta de alguém.

É semente estéril em terra árida,

Tentando a todo o custo germinar,

Beijo plantado em boca ávida,

Sentir que não se pode cultivar.

Paixão é um olhar embevecido

No rosto cintilante de outro ser,

Viver permanentemente esquecido,

Levar com um feitiço sem saber.

É um sorriso lento ao acordar,

Lânguido despertar no amanhecer,

Brincar com nuvens, no céu pairar,

Um pôr-do-sol a dois ao entardecer.

É um latir pedindo-nos carinho,

Colo que aquece e nos conforta,

Abraço que se dá e tão mansinho,

Que o resto para nós já pouco importa.

Christian de La Salette

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Vigília (À tua Espera)


Abri a janela à lua para que se deitasse ao pé de ti na minha cama vazia; esperei que adormecesse para me perder na contemplação imaginada desse quadro tão belo e sereno que tu formavas com ela. Uma lua sossegada dormindo a teu lado, ocupando em minha cama o espaço que era meu! Queria que as minhas madrugadas fossem feitas dessa monotonia pacífica, que o meu acordar fosse essa doce insónia de te ver partilhar o leito com o luar, ou simplesmente poder ver-te adormecida, tranquila, como se nada pudesse alguma vez perturbar o limbo em que vives enquanto dormes. Queria mergulhar as minhas lágrimas na tua alma, escondê-las dos olhos para que eles não as mostrassem ao mundo, misturá-las nos teus sonhos prazenteiros, ocultá-las no teu sorriso descontente, nessa tua despreocupada melancolia. Queria soltar quimeras no céu estrelado que nos espreita fora da janela do nosso quarto, deixá-las vogar na infinitude, partilhar segredos com os astros, aqueles que tenho vergonha de mostrar ao meu conhecimento, que receio descobri-los à minha realidade.

O vazio enrugado do espaço ao teu lado, - (ao lado do lado onde não estás) -, lembra-me que o meu corpo já lhe pertenceu, e esse vazio entranha-se nele, espelha-se em mim! Já nada me aquece!

Interrogo-me se esta penumbra que me envolve esta noite será a mesma em que se tornou a minha existência de todos os dias, se esse vazio ocupa todos os espaços que já me pertenceram. Interrogo-me se valerá a pena.

Saber-te dormindo ausente de mim, não partilhar esse teu sono é uma metáfora do que me espera até ao final. Sinto que só posso partilhar breves espaços na tua vida sem nunca partilhar a tua vida inteiramente. Vivo apenas com uma essência que se emana de ti, apenas um aroma da tua parte física que não me pertence. Desespero por saber que será sempre assim.

Valerá a pena?

Valerá a pena inventar-te estas palavras, permitir que elas se insinuem em ti, provocando-te lágrimas, provocando-te tristeza, contagiando-te as minhas mágoas?

Desespero porque nem promessas te posso dar, pois só te posso prometer o impossível ou a inutilidade dos meus dias futuros nascidos neste momento plangente em que me encontro. Estamos tão presos às coisas físicas que tudo o que as possa pôr em risco se transforma em sofrimento.

Serias minha se fosse rico? Se pudesse dar-te as coisas físicas que te fazem falta? Se pudesse aliviar os teus fardos financeiros, satisfazer todos os teus caprichos? Serias minha se eu fosse livre ainda que pobre e sem dinheiro?

Serás minha alguma vez?

Valerá a pena continuar assim os dias? Valerá a pena ocultar-me naquele que não sou, no outro que existe utilizando o meu nome, que se mistura no mesmo mundo de gente que me ignora, viver nesse mundo solitário que não pára, que não me deixa olhá-lo nos olhos e tentar descortinar o que guarda para mim? Valerá a pena sofrer?

Sinto-me um acróstico que só existe na margem dos dias, uma hipérbole da amargura, um repetir pleonástico dos dias, uma personificação do infortúnio. Sinto-me uma figura de estilo utilizada na linguagem da vida, uma interjeição dos míseros dias sofredores.

Desespero por ser assim e não conseguir ser de outro modo.

Somam-se os dias assim; uns mais os outros. É um juntar que diminui, que vai descontando nos que estão para vir, que tira tempo e aumenta a dor da tua ausência neles. Passam-se os dias mas não desaparece a mágoa, nunca passa... Nascem novas ilusões em cada instante que morre. Florescem novos espinhos a todas as horas.

Fecho a janela para que nada perturbe o teu sono sossegado. A Lua já se foi embora...

Christian de La Salette

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Ode aos Arrumadores

Levanta-te ó indigente
Vem assistir à parada,
Dos que vão para o emprego
Enquanto tu fazes nada.
Venham também os drogados
Homófilos e os chanfrados,
Arrumem as viaturas
Dessas pobres criaturas
Que marcham para o trabalho,
E se algum se armar em esperto,
Quando já não estiver perto,
Um risco na chaparia
E já ganharam o dia.
Tratem todos por doutores,
Engenheiros, professores,
Aliviem-lhes as dores
De andarem com trocados,
Pois esse tal vil metal
A eles faz muito mal.
Porque há-de tal gentinha
Ter direito a um lugar
Para o carro estacionar
Só por ele estar vago?
Tem de dar contribuição
A quem lhe dá indicação
Mesmo que o lugar seja pago.
Não se importem com comida,
Pois se a fome apertar
Há sempre quem vos convida
Para o Banco Alimentar.
Porque hão-de ter trabalho,
Gastar no pão e no talho,
Se o vinho é mais barato
E o cigarro um bom prato?
Há coisa melhor na vida
Que fumar ganzas maradas,
Injectar doses danadas
Como se fossem comida?
Cata sempre a moedinha
Para o pão e p’ró sumito,
De certeza que não sabem
Que é p’ró cigarro e copito!
Se o dinheiro não chega,
Tem muita calma e sossega,
Auto-rádio apetrechado
Fanado num enlatado,
Há-de render alguns cobres
Vendido àqueles pobres,
Que tiveram azar um dia
De parar a lataria
No parque de estacionamento,
Vosso local de passeio,
Ou até divertimento.
Nada de trabalhar,
Tende muita paciência,
Que p’ra carros estacionar
É preciso uma licença.

Christian de La Salette

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Ocaso

Vem comigo passear de mãos dadas à beira-mar, calcar o entardecer com os nossos passos numa calma caminhada à beira de água, deixar que o dia morra debaixo dos nossos pés, enquanto as ondas moribundas os vão mordiscando com beijos espumados de desejo. Vem sentar-te nas dunas a ver o sol deitar-se no mar enquanto os nossos dedos penteiam a areia entrelaçados, fazer castelos e desenhar corações na areia molhada, escrever poemas de amor repetidamente apagados e novamente reescritos. Vem comigo apanhar conchas e pedrinhas brilhantes, procurar seixos redondos como contas de um colar que o mar pretende oferecer-nos. Anda ouvir o riso das gaivotas voando em bando por sobre as nossas cabeças, acenar para os veleiros que passam ao largo e procurar mensagens de amor nas garrafas que deram à costa. Anda ouvir o mar bater nos nossos corações descompassados, como se fossem búzios colados ao ouvido, ouvir o marulhar dos nossos desejos. Mete-te comigo num dos barcos ancorados e naveguemos mar adentro perdendo-nos no horizonte, esquecidos da praia de onde partimos, surdos aos gritos das pessoas que nos acenam para voltarmos.

Vem saborear o sal na minha boca e o cheiro a maresia dos nossos corpos abraçados pela pele, o contacto íntimo da solidão esvaída entre nós. Vem entregar-te a esse mar que vês nos meus olhos, mergulhar nas minhas águas revoltas, sentir brisas nos cabelos que se espalham como ondas na areia.

Vem atirar redes de sonhos ao mar, pescar a felicidade com o olhar que se perde no movimento rítmico das ondas, sentir a calma apoderar-se de nós, adormecer no peito da praia, encostar a cabeça na almofada das tentações. Deixa que o dia nos acorde assim. Corpos molhados por desejos incontrolados, desejos de preia-mar, desejos que há muito andavam perdidos na faina da vida de todos os dias.

Vem descobrir uma praia só para nós como outros inventam músicas só para eles; uma praia que nos faça lembrar sorrisos nas caras dos filhos que perfilhamos juntos, onde a inocência se encontra com a verdade e juntos continuam o passeio que tivermos interrompido para depois o devolverem sempre que lá voltarmos.

Vem repetir esse passeio até ao fim da nossa vida, ainda que tenhamos que inventá-lo todos os dias.

Christian de La Salette

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Alívio


Deixa as tuas mágoas sentarem-se a meu lado,
Repousa no meu regaço as tuas dores,
Aninha no meu colo o teu fado
Desabafa em mim os teus temores.
Deixa-me ser meirinho confidente,
Um ombro amigo p’ra poderes chorar,
O teu coração se alegre de contente
Cada vez que ele me encontrar.
Deixa-me ser teu rio, brandas margens,
Murmúrios de água inquieta a sussurrar,
Vento que vem de outras paragens,
Roçando a tua face a afagar.
Deixa-me ser seixo pequenino,
Pedra que atiras para um lago,
Fazendo um pequeno remoinho,
Sugando-te as tristezas de um só trago.
Deixa-me ser serena realidade,
Cada vez que a tua vida se turvar,
Pequeno momento de amor e liberdade,
Ancoradouro das lágrimas do teu mar.
Faz de mim privado contentor,
De problemas, medos, incertezas,
Coloca em mim toda a tua dor,
Despeja-me todas as tuas impurezas.
Quero ser sol que no Inverno te aqueça,
Amena Primavera a começar,
Uma nova vida que não padeça,
Dos defeitos da outra que acabar.
Molha as minhas mãos com o orvalho,
Que dos teus olhos teima em sair,
Que a esperança encontre em mim atalho
Se ao teu encontro ela quiser vir.
Que nada te perturbe ou aflija,
Sempre que quiseres estar comigo,
Serei em teu caminho torre rija,
E a todas as aflições darei castigo.
Serei implacável, mesmo duro,
Nada me demoverá dos meus intentos,
Defender-te-ei como um muro,
Barreira instransponível de unguentos.
Vem ter comigo sarar as tuas feridas,
Limpar-te de toda a sujidade,
Só te darei/direi palavras queridas,
Esconderei de ti a má verdade.
Senta-te tu também, aqui ao lado,
Guardei este lugar à tua espera,
Tenho-o, há tanto tempo, p’ra ti guardado,
Que quase não sabia p’ra quem era.

Christian de la Salette

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Mais um dia


Choras?!... Libertas as tuas dores em lágrimas que correm sem destino na tua face, perdendo-se esquecidas nas tarefas de todos os dias.

Olhaste para trás de olhos fechados e viste-te menina, cheia de sonhos que hoje estão inalcançados. Viste a tua sombra passar diante de ti e com ela levar as tuas ilusões. Não fossem os teus filhos e sentir-te-ias vazia, corpo animado sem vontade.

Levantas-te todos os dias e juntas os pedaços que os homens espalharam de ti, como se fosses boneca de trapos, marioneta comandada no seu desejo, restando aqui e ali uma leve recordação de um beijo e a mágoa das promessas não cumpridas. Esperam-te novas ilusões no teu caderno diário e tu sabe-lo. Sentes os dias perdidos em busca de uma felicidade que nunca surge e interrogas-te: Será sempre assim?

Choras!

Encostas a cara na almofada dos dias em que não dormes para que não vejam o rio de tristeza que se escapa dos teus olhos. Choro de raiva desiludida por descobrires que afinal os homens são todos iguais. Pedreiros... Pedreiros de gravata e de falinhas mansas, hienas disputando a carniça dos outros, porque é como carniça que te sentes.

Ah, quanto não davas por um momento de compreensão mundana?! Quanto não davas por alguém que olhasse para ti e reparasse na criança aninhada que em ti vive e soubesse falar-lhe de segurança, de sonhos realizáveis, de príncipes reais que surgem na vida real. De alguém que te libertasse das contas de todos os dias e te permitisse voar para onde te levam os desejos, para longe!... Principalmente para longe... Até onde não houvesse nada que te magoasse, onde todos fossem transparentes, homens, mulheres, amigos ou só conhecidos. Um sítio diferente deste em que todos vivem dissimulados, lobos em pele de cordeiros, sapos...

Choras. Mesmo que não te veja as lágrimas sinto-as de cada vez que os teus olhos se perdem no horizonte do tempo já passado, esse tempo que te trouxe a este presente pesado. Um passado de fardos e um presente de desenganos. Um presente que não é presente mas antes castigo. Punição que não mereces por pecados que nunca cometeste, ou será pecado sonhar em ser feliz?

Para onde quer que olhes os teus olhos marejam-se de lágrimas e sofres em silêncio, às vezes com fome... Uma fome física de coisas a que tens direito e a realidade te rouba em todos os momentos. Sentes vontade de vomitar as tuas mágoas no rosto do mundo que não tem rosto, de gritar: eu ainda estou viva! Mas só te ouve a escória de homens animais, que se babam de desejo e te atiram palavras despidas, nuas de pudor.

Haverá esperança?!

Limpas as lágrimas como fazes todos os dias desde há tanto tempo que já te esqueceste quando começou.

Levantas-te. Hoje é mais um dia!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

C’est mauvais ce jour là

Quand je t’ai connu,

Une amie j’ai gaigné

Mais je me suis perdu.

Je vivais innocent

Tous les jours, toutes les nuits

Pas de peur dans mon coeur,

Sans désir dans mon lit.

Et toi, qu’as-tu fait ?

Tu me dis: rien du tout !

Mademoiselle c’est pas vrai

Dans ma vie tu es venue.

Ne peux pas t’oublier,

Même dans mon sommeil

Tu es ma rêvasserie

Mon étoile, mon soleil.

Je me sens toujours fou,

J’ai perdu ma sagesse,

Tu m’as changé, mais surtout

Me donnes joie et tristesse.

Tiens pieté de moi

Je suis un pauvre pitoyable,

Je n’ai plus d’espace en ma vie,

Tu me fais un incapable.

Je ne veux pas t’aimer,

Je ne veux pas te désirer,

Seulement ici rester,

Où je ne te peux pas trouver.

Mais sans toi ne peux pas vivre,

Avec toi c’est impossible,

Je ne suis plus un homme libre,

Ma vie est devenue horrible.

Christian de la Salette

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

DTCL

Dirás que sou louco,
Que o juízo é pouco,
Que devo acalmar,
(Ou fingir não amar);
Que devo pensar,
Sentir é falhar.

Pensarás que sou tolo
Te provoco dolo,
Dizendo estroinices
E outras tolices.
(Serão parvoíces?)

Serei debilóide,
Ou outra coisa óide?!
Só poide!, só poide...

Serei anormal?
Isso é menos mal,
Ou o mal que padeço
É tão mau que adoeço?

Serei masoquista,
Faquir ou fadista?
Ou só maneirista,
Mulherengo artista?

Será que mereço teus olhos em mim?
Será que consigo que olhes p’ra mim?
Será que te vi quando olhaste p’ra mim?
Será que olhaste p’ra mim?

E são estas perguntas
Tão fundamentais,
Que inquietam filósofos
E outros que tais,
E até os poetas
Que escrevem demais,
Inventam tais petas
De doentes mentais.

Mesmo que o não queira,
Mesmo que o não peça,
Vivo em tal canseira!...
Miúda, dás-me a volta à cabeça!

Christian de La Salette