quinta-feira, 20 de março de 2008

Sereia


Naufragam todos os barcos
Que passam ao largo de ti,
Encantas-lhes os marinheiros,
Ficam sem saber de si.
És sereia enganadora,
Com teus cantos de encantar,
Coitado de quem se afoita,
Nas águas frias do mar,
Onde ficas noite e dia,
Lançando os teus feitiços,
Cantando sem alegria,
Para os corações mortiços.

Já nasceste assim sereia,
Nas dunas à beira-mar,
Nasceste em berço de areia
Com Neptuno a embalar.

Os que pensam estar na rota,
Mais segura deste mundo,
Ao passarem na tua ilhota,
O seu barco vai ao fundo.
Coitados dos navegantes,
Não sabem como escapar,
É poderosa a magia,
Que os leva a naufragar;
Mesmo que avisados,
Por outros que lá passaram,
Querem tentar ser primeiros,
Daqueles que te enganaram.

Já nasceste assim sereia,
Nas dunas à beira-mar,
Nasceste em berço de areia
Com Neptuno a embalar.

Só um deles foi Ulisses,
Mas guarda-lo bem, não o mostras,
Encantou-te o coração
Desfazes os dos outros e gostas.
Só um deles foi capaz
Em noite de distracção,
Ir montado no seu barco
E roubar-te o coração.
Só há um afortunado,
Quem dera que fosse eu,
Fiquei por ti encantado
Mas o teu amor venceu.

Já nasceste assim sereia,
Nas dunas à beira-mar,
Nasceste em berço de areia
Com Neptuno a embalar.

Christian de La Salette

terça-feira, 18 de março de 2008

Omnipresença


Tornam-se pesarosos os meus dias com a tua ausência física. Apenas física porque a tua presença é constante, em todas as horas, em todas as minhas acções, em todos os meus pensamentos. Quanto mais tento apagar-te mais forte é a tua presença em mim. Tento...

Falham-me as ideias cada vez que as tento desviar de ti, ocupam os meus braços as lembranças do teu corpo neles, cada sombra do vento na minha vida é um reflexo da tua imagem, em cada ondular dos meus sonhos tu estás presente! Tornaste-te omnipresente em tudo o que me pertencia, em toda a minha intimidade, mesmo na que partilho com outra, com outros. Cada gesto teu é projectado no gesto dos que vivem comigo, cada relato do seu quotidiano é uma pergunta sem resposta sobre como é o teu dia, como foi, como correu. Interrogo-me se saboreias esta minha dependência, se te dá prazer saber que estou viciado em ti, que jamais conseguirei esquecer-te.

Se eu não te amasse tanto assim!...

Se eu não dependesse tanto das minhas recordações dos breves momentos que partilhámos...

Se eu não estivesse tão obcecado por ti!...

Lembras-me um barco que se afasta no mar da minha vida deixando-me isolado na ilha dos dias costumeiros, perdido todo o encanto do paraíso inicial. Levas contigo toda a minha remota possibilidade de salvação tornando-me definitivamente náufrago, à mercê da tua vontade de regressar um dia. Só que não regressarás e não há mais ninguém que saiba a rota que vai dar a esta ilha. Abandonaste-me porque te rejeitei. Rejeitei-te porque não me quiseste. É um jogo do querer e não querer que se torna no jogo diário que jogamos os dois.

Pensava que seria difícil dizer a quem amava que estava apaixonado por ti. Não sabia era que isso era o mais fácil! Difícil é ter de viver com quem amo e rejeitar quem desejo sabendo que quem amo não admite que te deseje. Difícil é desejar-te em quem amo sabendo que nunca estarás no lugar que eu quero; que serás sempre um vazio imaginado no meu leito, que eu estarei vazio em toda a minha entrega a quem amo. Eu já não me entrego. Apenas me abandono. Não é a minha vontade que se entrega, é o meu dever. Não é o meu desejo que se entrega, é a minha obrigação. Não é o meu corpo que se entrega mas sim o corpo que tu rejeitaste... Esvazio-me completamente nessas entregas. A minha alma viaja externamente, os meus olhos fecham-se embora continuem abertos em pensamentos. Sou mais infiel agora do que antes de lhe contar da tua existência, pois agora estás presente até nos gestos dela, nas atenções dela, no carinho dela, nas carícias dela, no conhecimento dela...

Respiro-te em cada movimento dos meus pulmões. Inalo-te em cada lufada de ar que entra em mim.

E para quê?...

sábado, 15 de março de 2008

Chora por mim

Chora por mim que eu não posso,
Fechei o coração bem fundo,
Grita por mim que eu não ouço,
Retirei-te do meu mundo.
Afasta de mim as loucuras,
As mil vontades de morrer,
Diz-me palavras duras,
Ajuda-me a te esquecer.
Chora por mim que eu não sei,
Como vou sobreviver,
Condenado por essa lei,
Que manda sem ti viver.
Reza por mim com fervor,
Usa todas as orações
P’ra me arrancar este amor,
P’ra matar as ilusões.

Chora por mim!…

Ensina-me qual é arte,
A ciência mais exacta,
Que subtraia o amar-te
Sem esta dor que me mata.
Finge-te longe de mim,
Num lugar inalcançável,
Pois eu sei que só assim,
Ficarei invulnerável.
Faz com que a dor que me segue,
Deixe de ser meu tormento,
Pede a Deus p’ra que me cegue
Os olhos do pensamento.
Limpa-me toda a lembrança,
De tudo o que nela gravaste,
Provoca-me uma mudança
Dá-me tudo o que te afaste.

Reza por mim!…

Procura um canto escondido,
Distante do meu olhar,
Serei menino perdido
Cada vez que te encontrar.
Evita os meus caminhos,
Esconde-te no nevoeiro,
Pois para mim são daninhos,
A tua presença, o teu cheiro.
Ausenta a tua essência,
No meu corpo impregnada,
Destrói-me na consciência
A tua imagem marcada.
Esquece de mim o calor
Em cada abraço apertado,
O meu beijo, o meu ardor,
Em cada afago roubado.

Pede por mim!...

Afasta da minha memória,
Esse dia malfadado,
Que a ti te deu a vitória,
Fez de mim um derrotado,
Perdido nos teus enredos,
Oculto na tua história,
Me devolveu os meus medos,
Me roubou toda a glória.

Sei qual é o meu destino,
No que resta p’ra viver,
É tirar-te do meu tino,
Lembrar-me de te esquecer.

Christian de La Salette

quarta-feira, 12 de março de 2008

Horizontes

Levantam-se os horizontes já cansados,
As velas não se enfunam, não há ventos,
Navegam em naus de quatro rodas,
Em estradas de agonias e tormentos.
Acostam em lúgubres ancoradouros,
Cais de rotineira perdição,
Atracam-se a futuros não vindouros,
Largam as amarras da paixão.
Procuram novos rumos em velhas rotas,
Em ondas feitas do seu próprio sal,
Sulcam vagas bravas e revoltas,
Procuram com afinco outro portal,
Que os transporte além desta realidade,
Em caminhos do espaço sideral,
Em íntimos escondidos da verdade,
Em ilhas que se ocultam do real.
Cansam-se os horizontes em procuras,
Tentando vislumbrar quotidianos,
Linhas que demarquem oceanos,
Alívios para os males e novas curas.
Gemem suas mágoas, desenganos,
Embriagam-se nas dores que os atormentam,
Prostram-se cansados pelos anos,
Em catres, nos pesares, que eles inventam.
Já se esqueceram da cor do pôr-do-sol,
Dos raios de ouro ao entardecer,
Do próprio Sol deitando-se no seu leito,
Dos dias calmos e serenos a adormecer.
Repetem as suas cores todos os dias,
Vivem em aborrecimento permanente,
Perderam totalmente as ousadias,
Arrastam-se no passado já ausente.
Já não querem mais ser horizontes,
Ser fim do mar perdeu todo o encanto,
Deitam-se novamente ao fim do dia,
Para que a noite os cubra com o seu manto.

Christian de La Salette

terça-feira, 11 de março de 2008

Desencontros

Nem sabes C. como te entendo na tua dor. Essa dor que nasce por vermos outra pessoa nos olhos de quem se ama, esse baque que nos atinge e nos derruba e a certeza de que ao abrirmos os braços encontraremos um vazio entre eles. Foi assim comigo durante anos cada vez que te olhava, cada vez que não me via nos teus olhos, cada vez que te negavas a olhar para mim, deitando-me apenas olhares fugazes para que eu não te fugisse. Aos poucos a memória do meu coração foi-se fechando, a dor foi-se tornando suportável, a razão foi ocupando o espaço vazio que tu deixavas nos meus dias. Novos dias vieram...
Novos amores?
Não sei se o passado se foi esquecendo de me atormentar no presente ou se o destino pretende pregar-me uma partida ainda mais cruel. Como viver entre quem se ama e quem nos quer? Sobretudo quando amamos quem não nos quer? Como rejeitar uma amizade porque nos magoa ou aceitar uma outra porque se acomoda no nosso coração, porque substitui a ausência do amor de outro?
Sei o que é viver no limbo dos sentimentos, no purgatório das emoções mais contraditórias. Amar e ser amado! Parece simples, não parece? Mas é um verbo que necessita ser conjugado pelas mesmas pessoas para se tornar simplificado. Amar quem não nos ama imuniza-nos à dor dos que sofrem o mesmo por nós. Ser amado por quem não queremos, martiriza-nos a consciência pela rejeição que não temos coragem de assumir. Prendemo-los a nós para nos aliviarem o sofrimento que sentimos pela ausência do amor de outro, aquele que queremos verdadeiramente, no momento. Só que essa prisão às vezes também nos prende a nós e só damos conta disso quando já é demasiado tarde, quando tivermos deixado escapar a oportunidade de conjugar o verbo na sua simplicidade: amar e ser amado!
Eu vi o baque nos teus olhos. Vi a tua dor no desprezo com que me falaste: “Há tempo suficiente!...” Tempo suficiente para sentir o turbilhão das emoções invadirem a nossa vontade, para o desespero tomar conta de nós, para afinal descobrir o que era óbvio e não permitimos que se soltasse de nós por condicionamentos morais. Contra os princípios...
Dói!...
É uma dor alucinante que embota os sentidos, a razão, o discernimento; que nos torna mortos-vivos no vaguear dos dias, ausentes da nossa realidade. Uma dor que nos comanda irracionalmente e nos faz desejar terminá-la, a qualquer preço, de qualquer forma... É uma dor que vai germinando e tornando-se cada vez mais forte, que nos domina ao ponto do inconcebível. É uma dor que nos dá vontade de inexistir...
Quem amo eu, afinal?
Quem me ama, afinal?
Rejeitar quem nos ama, amar quem nos rejeita! O destino é um diabrete travesso que vai brincando com os corações dos incautos que se atravessam nos seus domínios, indiferente às feridas que se abrem, às lágrimas que se perdem...

Christian de La Salette

sábado, 8 de março de 2008

Amizade


Seremos sempre amigos...

Conforta-me essa ideia do eterno,
Essa certeza que se perde tempo além,
Essa amizade, sentimento puro e terno,
O carinho e ternura que ela tem.
Conforta-me a certeza que me dá,
Ter-te dessa forma em minha vida,
Saber que onde estás sempre estará,
Uma parte de mim que te é querida.
Alegra-me esse laço que nos une,
Enternece-me saber que tu esperas,
Poder com o meu amor tornar-te imune,
A todos os demónios e às loucas feras.
Mesmo não sendo mais que apenas homem,
Sem poderes para além dos naturais,
Orgulha-me a confiança que me entregas,
Envaidece-me servir-te como cais.
Sinto serenado o coração
Imaginando-me toda a vida a teu lado,
Permanecendo na tua recordação,
Sentir-me dessa forma sempre amado.
Confia-te pois a mim sem ter reservas,
Entrega-te sem estabelecer as condições,
As minhas vontades a ti te serão servas,
Entrego a ti as minhas ilusões.
Sei onde parar quando cansado,
Em ti há uma pousada retemperante,
Recobro as minhas forças a teu lado,
Refaço-me contigo num instante.
Nada é mais forte que um amigo,
Para empurrar a vida para a frente,
Se tu alguma vez não fores comigo,
Serei homem vazio, alma ausente.
Por isso aqui me tens ao teu dispor,
Serei como eunuco no teu harém,
Servo dedicado ao teu amor,
Unguento se outros te magoarem.
Estarei sempre aqui à tua espera,
Irei onde quiseres, qualquer lugar,
Tudo eu farei por ti e quem me dera,
Tudo te dar, amor, tudo te dar...

Christian de La Salette

quinta-feira, 6 de março de 2008

Nau tristonha

Ando à deriva num barco sem leme nem mastro. Embato nos escolhos deste mar poluído em que se transformou a corrente dos dias. Acordo já naufragado...
Tentei tirar de mim a carga que afunda o meu navio. É impossível!... É impossível!... É impossível!...
Rezei a todos os anjos, pai-nossos, avé-marias; chorei no banco da igreja onde me prometi um dia todo a ela totalmente. Pedi ajuda divina para não ficar demente.
Passeei-me, vagueando, por entre as vagas da vida... Não há porto nem abrigo, não há mar nem oceano, que aliviem este castigo, que me levem ao desengano. Não há nada que me brilhe a luz que me guie neste remar tão insano, contra a maré da loucura, contra os ventos do martírio, não há farol que me guie...
Navego sempre às escuras, tacteando a escuridão, navego às apalpadelas no muro da solidão, nessa parede sem portas, nesse lugar sem saída das trévoas da gente morta, das névoas e neblinas.
Naufrago todas as noites um naufrágio repetido desfeito em sal nos meus olhos. Não vejo doca nem cais, molhe para os meus ais, não vejo p'ra lá de mim... Dia a dia é sempre assim.
Rasgam-me os meus costados sentimentos icebergues, afundo-me num mar gelado sem encontrar os albergues das dores que em mim transporto; tantas dores que não suporto!...
Perdi o rumo da vida, a rota da alegria. Navego sem mastro nem leme. Hei-de morrer algum dia!...

Dorme meu amor, dorme



Dorme serena, amor, dorme
Velarei por ti de noite,
Imagina-me a teu lado;
Nem que o sono me açoite,
Ficarei sempre acordado.
Dorme, meu amor, dorme...
Já não faz vento lá fora,
Já fugiu a tempestade,
Fui eu quem os mandou embora,
Disse-lhes que já era tarde.
Não quero que que vos acordem
Nem a ti, nem teus meninos,
Mandarei calar os sinos,
Pararei toda a desordem,
Tudo ficará em ordem.
O teu descanso sagrado
Ninguém há-de perturbar,
Calarei todo o ruído,
Mandarei calar o mar,
Ninguém te pode acordar.
Velarei por ti atento,
Até ao romper do dia,
Nenhum sopro, nenhum vento,
Nem o ar da maresia,
Têm minha permissão
P'ra andarem em correria,
Brincando na confusão,
No auge da euforia;
Nem pinheiros na floresta
Sussurrando entre si,
Têm minha autorização
Para te acordar a ti.
Nem o frio, nem geada,
Nem o sol da madrugada,
Nem a lua a brilhar,
Te poderão despertar.
Dorme meu amor, dorme!

Christian de La Salette

quarta-feira, 5 de março de 2008

Amargura

Sei a cor da escuridão,
Sei-o pois nela vivo.
Sei o som da solidão,
Sei o que é andar perdido.
Quem não ouve as minhas preces,
Nem mesmo me mete nas suas,
Tem um coração de pedra,
Não chora nem um gemido.
É fera sem sentimentos,
Os outros são-lhe jumentos,
Bestas de carga falidas
Das suas dores mal paridas.
Quem não me limpa o suor,
Que dos olhos cai sem esforço,
É vil, cruel, é autora
Do lado negro das vidas.
Quem me fere com o desprezo
Que do seu antro desprende,
É víbora cheia de fel,
Madrasta de toda a serpente.
É Cassandra, é Pandora,
Dalila, Helena, Perséfone,
É maldição mitológica,
Vaga de dor imponente.
É bandido mascarado,
Roubando-me os sentimentos,
Hidra regenerada,
A Hera que lhe deu vida.
Quem não me quer não se importa,
Se vivo, se morto eu ando,
Quem me rejeita transporta
A arma do meu homicida.
Procura formas de morte
Das mais dolores, cruéis,
Tortura-me com mil chicotes,
Feitos com os seus anéis,
Bate-me sem piedade,
Não dá tréguas nem dá água,
Só procura variedade
Nas outras formas da mágoa.

Quem não me ama não chora
As lágrimas que tu me deitas,
Quem não me ama ignora
Do que essas lágrimas são feitas!


Christian de La Salette

terça-feira, 4 de março de 2008

Ficas Calada


Chamei por ti ainda hoje e tu acorreste ao meu chamado; não sei porquê mas senti-me amado ainda que os teus lábios me negassem. Logo te foste, após tão breve encontro do qual ficou a nostalgia pairando no espaço. Rápida se instalou aquela dor estranha que regressa em cada partida tua. Sempre mais forte, cada vez mais forte. O tempo passa corre e voa quando estás ao pé de mim, o tempo esmaga e me atraiçoa quando sais de ao pé de mim. Senti-me angustiado com a tua ausência. Mandei-te uma mensagem, um grito de socorro, pedi que acalmasses os meus receios... Ficaste calada, nada me disseste...

Regressam-me os sombrios pensamentos, acabam com a fugaz tranquilidade ganha nesses breves momentos de encontros fortuitos à mesa de um café, nesses ténues momentos de cumplicidade.

Onde estás? Responde, por favor!

Ficas calada!...

Deixas assim que o desespero se apodere novamente de mim, que a tristeza ocupe o espaço que ocupava a alegria de ter estado contigo, que a desilusão tome o lugar da esperança. Nada me dizes, nada me consolas, abandonas-me tão depressa como fazes nas tuas presenças físicas nos meus dias. Visitas de médico... quase tão impessoais como elas.

Ficas calada...

Que podes dizer que não me magoe?!...

Tanta coisa... Podes dizer que é possível amar alguém ainda que não estejas apaixonada por essa pessoa, que te sentes bem com alguém só por estar e poder conversar e que isso talvez seja amor, que sentes a mesma falta de estar comigo como eu sinto falta de estar contigo. Podes dizer que mesmo que o teu corpo se entregue a outra pessoa haverá sempre um lugar no teu coração para mim e que isso talvez seja amor. Que quando não te falo e desapareço na tua vida por instantes, sentes um vazio a apoderar-se de ti e que isso talvez seja amor. Que mesmo que não queiras o meu corpo, sentes falta dos meus abraços e que isso talvez seja amor. Que choras quando me vês sofrer e que se não é pena, talvez isso seja amor. Um amor que eras capaz de aguentar todos os dias, calmo e sereno, que se dá num beijo terno, num abraço quente, num aconchego apertado. Um amor que te faz desejar ter uma pessoa perto de ti por saber que com ela não é preciso ter máscaras, mentir ou adaptar a verdade. Um amor que por não ser carnal se torna mais forte que a paixão, um amor sem desejo que admite o desejo do outro sem se sentir abusado.


Podias dizer tanta coisa...

Porém, ficas calada...

F.

Servil

Amanheces em mim todos os dias,
És presença em todos os momentos,
É vão o esforço, fracos os intentos
De me fechar nas minhas valentias.
Desligo-te o telefone, iludido,
Pensando que assim te desvaneces,
Porém, ao pensar que desapareces
Sou eu quem fica desaparecido.
Finjo-me valente, impermeável
A todos os teus gritos e lamentos,
Corro-te servil aos chamamentos
Fazes de mim criança vulnerável!
Impregnaste-me de ti de tal maneira,
Encharcaste-me os sentidos de tal forma,
Que a minha alma já não se conforma,
Se não te puder ter a vida inteira.

Hei-de passar o resto dos meus dias,
Usando a espátula que o tempo me deu,
Raspando de mim aquelas fantasias,
De fazer-te Julieta e a mim Romeu.
Não posso fingir que te não quero,
Mesmo que mo peças com fervor,
É uma sina que eu já não tolero,
Enganar-me ao negar o teu amor.
E vou chorando a dor nestes meus versos,
Vou-me esvaindo todo nesta escrita,
Escrevendo-te sentidos controversos,
Largando aqui o que a mágoa me dita.

Sucumbo eternamento ao teu encanto,
És fada que me enfeitiça inteiramente,
E cobres-me com o teu falso manto,
Deixando-me sozinho e tu ausente.
Padeço as doenças que me lanças,
Com feitiços que afinal são uma praga,
Danço sem cessar as tuas danças,
Abres-me no ventre enorme chaga.
Peço-te que me cures de uma vez,
Só há uma poção que é infalível,
Procura-a com afinco e avidez,
Transforma-me em objecto apetecível.

Ama-me como se eu fosse o primeiro,
Que entrasse de rompante no teu ninho,
Faz de mim teu único companheiro,
Parceiro que partilha o teu caminho.

Christian de La Salette

segunda-feira, 3 de março de 2008

Martírio

Nem sabes quanto é custoso
Negar a tua amizade,
Não sabes como é penoso
Prender a minha vontade,
Rejeitar o teu sorriso,
Coisa que eu tanto queria,
Não sabes quanto preciso
De ter a tua alegria,
De te ver e ao teu encanto,
De te ter todo o meu dia,
Secando os olhos do pranto,
De tudo o que me angustia.

Negar-te é dor atroz
Que se alastra totalmente,
É um rugido feroz
Que atroa a minha mente,
É uma lança cravada,
É um sofrer demoníaco,
É uma seta espetada
Dentro do músculo cardíaco.
Negar-te é como morrer
A todo o instante e momento,
É conjugar e viver
O verbo do sofrimento.

Refreio-me todas as horas
P'ra não acalmar tua dor,
Mas será por mim que tu choras,
Ou choras por outro amor?
Pedes-me p'ra ser teu amigo,
Pedes p'ra esquecer a paixão,
Mas sabes que não consigo,
É mais forte que a razão,
E quão difícil se torna
Esconder-te à minha vida,
E que a vida se transtorna,
Fica toda revolvida,
Cada vez que tu me falas,
Cada vez que me convidas,
Cada vez que em mim embalas
Esta dor com sete vidas.

Custa tanto rejeitar-te,
É tão duro minha querida,
Fingir não mais amar-te,
Deixar-te morrer com vida!

Christian de La Salette

domingo, 2 de março de 2008

Engana-me

Vem esta noite a minha casa,
Vender-me as tuas ilusões,
Leva-me contigo enganada,
Não há esperança nem razões,
Para me deixares acorrentado,
Ao perfume que deixaste para trás,
Leva-me contigo encarcerado,
No teu olhar, nas tuas condições,
Sabes como é viver assim,
Chorar sem dor, rir só por sofrer,
Leva toda esta trapalhada
Em que se transformou o meu viver,
Deixa-me nalgum canto do olhar,
Quando o teu amor se distrair,
Olhando para quem não te quer dar,
O mundo inteiro que te quer sorrir.
Vem esta noite habitar,
Na neblina que me tapa o céu,
Traz-me a tua luz p’ra acreditar,
Que aquilo que há em ti é tudo meu.
Deixa-me habitar teu coração,
Entrar nos pensamentos que tu tens,
Abre-me as janelas da paixão,
Fingir que quando vais, afinal vens.
Mente-me de forma descarada,
Atira-me rosas doces de bordel,
Faz com que esta mascarada
Seja uma farsa, um livro de cordel,
Engana-me com falas de menina,
Que vai ao baile para ver dançar,
A música que baila sozinha,
No tua forma dança de andar.
Rodopia à minha volta incessante,
Faz-me entontecer só de te olhar,
Que o tempo é menino ignorante,
Dos anos que perdeste sem amar.
Deixa que uma gota de orvalho,
Pouse nas faces do teu pensamento,
Encontra então em mim um novo atalho,
Que te transporte na brisa do vento,
Nesse caminho a sós que partilhamos,
Quando um de nós o outro acompanha,
Separados quando juntos assim vamos,
Amando-nos sem ter a mesma sanha.
Vem esta noite a minha casa,
Deita-te comigo no meu leito,
Quero acordar de madrugada,
Ouvir o ritmo suave do teu peito.

Christian de La Salette

Negrume

As lágrimas falam de sonhos maus,
Do papão que vive no meu peito,
Do meu horizonte sem as tuas naus,
Das dores que dormem no meu leito.
Grita-me a voz enrouquecida,
Chamando insistente a razão,
Manda que te faça enraivecida,
Para acabares com a minha ilusão.
Tenho de ser assim amargo e duro,
Despertar em ti negras vontades,
Erguer entre nós dois tamanho muro,
Que me devolva as minhas liberdades!
Choram as palavras que te escrevo,
Sofrem persistente desespero,
Obrigam-me a escrever-te o que devo,
Impedem-me de escrever-te o que quero.
Mandam-me fazer com que rejeites,
Tudo o que eu tenho p’ra te dar,
Jamais permitir que tu aceites,
Esta forma tão azeda de amar.
São tão cruéis e vis estas sentenças,
Que me forçam a negar tua amizade,
Opõem-se firmemente a que pertenças
À minha dolorosa e triste realidade.
Mas o queria a sério era ir,
Deixar-me levar pela insensatez,
Vaguear eternamente, daqui fugir,
Perder todos os sonhos duma vez.
O que queria mesmo era sair,
De dentro deste corpo assombrado,
Deixar este lugar, logo partir,
P’ra onde nunca fosse encontrado.
O que desejo mesmo de verdade,
Nem mesmo a ti o posso confessar,
É tão forte e secreta essa vontade,
Que só a mim me atrevo a contar.
E peno de mim mesmo arrependido,
Culpo-me das dores que te provoco,
Mas só assim é que pode ser vencido,
Este sentir em mim que me faz louco.
Culpo-me de não ser quem tu desejas,
Culpo-te de não me quereres soltar,
Acuso-me de fingir que tu me beijas,
Cada vez que me perco a sonhar.
Sinto-me de tal forma enfeitiçado,
Que chego a desejar a quem tu amas,
A mais cruel das dores, um mau-olhado,
Que te impeça de partilhar as suas camas.

Christian de La Salette