quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Vigília (À tua Espera)


Abri a janela à lua para que se deitasse ao pé de ti na minha cama vazia; esperei que adormecesse para me perder na contemplação imaginada desse quadro tão belo e sereno que tu formavas com ela. Uma lua sossegada dormindo a teu lado, ocupando em minha cama o espaço que era meu! Queria que as minhas madrugadas fossem feitas dessa monotonia pacífica, que o meu acordar fosse essa doce insónia de te ver partilhar o leito com o luar, ou simplesmente poder ver-te adormecida, tranquila, como se nada pudesse alguma vez perturbar o limbo em que vives enquanto dormes. Queria mergulhar as minhas lágrimas na tua alma, escondê-las dos olhos para que eles não as mostrassem ao mundo, misturá-las nos teus sonhos prazenteiros, ocultá-las no teu sorriso descontente, nessa tua despreocupada melancolia. Queria soltar quimeras no céu estrelado que nos espreita fora da janela do nosso quarto, deixá-las vogar na infinitude, partilhar segredos com os astros, aqueles que tenho vergonha de mostrar ao meu conhecimento, que receio descobri-los à minha realidade.

O vazio enrugado do espaço ao teu lado, - (ao lado do lado onde não estás) -, lembra-me que o meu corpo já lhe pertenceu, e esse vazio entranha-se nele, espelha-se em mim! Já nada me aquece!

Interrogo-me se esta penumbra que me envolve esta noite será a mesma em que se tornou a minha existência de todos os dias, se esse vazio ocupa todos os espaços que já me pertenceram. Interrogo-me se valerá a pena.

Saber-te dormindo ausente de mim, não partilhar esse teu sono é uma metáfora do que me espera até ao final. Sinto que só posso partilhar breves espaços na tua vida sem nunca partilhar a tua vida inteiramente. Vivo apenas com uma essência que se emana de ti, apenas um aroma da tua parte física que não me pertence. Desespero por saber que será sempre assim.

Valerá a pena?

Valerá a pena inventar-te estas palavras, permitir que elas se insinuem em ti, provocando-te lágrimas, provocando-te tristeza, contagiando-te as minhas mágoas?

Desespero porque nem promessas te posso dar, pois só te posso prometer o impossível ou a inutilidade dos meus dias futuros nascidos neste momento plangente em que me encontro. Estamos tão presos às coisas físicas que tudo o que as possa pôr em risco se transforma em sofrimento.

Serias minha se fosse rico? Se pudesse dar-te as coisas físicas que te fazem falta? Se pudesse aliviar os teus fardos financeiros, satisfazer todos os teus caprichos? Serias minha se eu fosse livre ainda que pobre e sem dinheiro?

Serás minha alguma vez?

Valerá a pena continuar assim os dias? Valerá a pena ocultar-me naquele que não sou, no outro que existe utilizando o meu nome, que se mistura no mesmo mundo de gente que me ignora, viver nesse mundo solitário que não pára, que não me deixa olhá-lo nos olhos e tentar descortinar o que guarda para mim? Valerá a pena sofrer?

Sinto-me um acróstico que só existe na margem dos dias, uma hipérbole da amargura, um repetir pleonástico dos dias, uma personificação do infortúnio. Sinto-me uma figura de estilo utilizada na linguagem da vida, uma interjeição dos míseros dias sofredores.

Desespero por ser assim e não conseguir ser de outro modo.

Somam-se os dias assim; uns mais os outros. É um juntar que diminui, que vai descontando nos que estão para vir, que tira tempo e aumenta a dor da tua ausência neles. Passam-se os dias mas não desaparece a mágoa, nunca passa... Nascem novas ilusões em cada instante que morre. Florescem novos espinhos a todas as horas.

Fecho a janela para que nada perturbe o teu sono sossegado. A Lua já se foi embora...

Christian de La Salette

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