segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Intangível


Foges-me! Jogas comigo um jogo de apanha-esconde interminável. Prometes-te, espreitas à porta dos meus dias, mostras-te, engodas-me... Eu busco-te, tento alcançar-te, apanhar-te, tocar-te, mas tu estás sempre a uma distância inalcançável, quase ao estender do braço, como se fosses um barquinho à vela num tanque de água levado pelo vento, para longe de mim, sempre que estou quase a apanhá-lo. Mesmo quando estou recolhido em mim próprio, tentando fugir da tua influência, tu invades-me e aproprias-te do meu pensamento, ocupas toda a minha lucidez. Chamas-me para ti e corro num eterno labirinto onde abres e fechas portas, sempre uma porta à minha frente, nunca me deixando perder-te de vista, nunca me permitindo alcançar-te! Nem consigo ter descanso desse jogo, deixar o meu coração recuperar o fôlego dessa corrida ininterrupta, ficar num troço do labirinto onde não te possa ver e tu me percas, porque tu estás presente em qualquer lado onde eu esteja, em qualquer sítio onde vou. Insinuas-te em sorrisos voluptuosos quando eu quero fugir de ti, bamboleias o teu corpo sensualmente sempre que eu quero desviar os meus olhos de ti. És uma sereia que me prendeu no seu encantamento e como sereia só me libertarás quando o meu barco embater nas rochas e ficar reduzido a pedaços, quando for náufrago da minha vida. Partirás, então, para enganar outro marinheiro, outro incauto que passe nas águas do teu domínio?

Às vezes tento esconder-me de ti, oculto-me noutro homem para que não repares em mim, personifico-me noutro ser, camaleono-me em alguém que te possa ser indiferente, mas assim que estás ao pé de mim desaparecem os meus disfarces, desmascaras-me totalmente.

Às vezes tento calar-te dentro de mim, fingir que tu não significas mais para mim do que um grão de areia significa para uma praia, só que te tornaste um grão de areia dentro do sapato que é a minha vida, que me faz doer cada vez que tento caminhar, que me lembra que estás sempre presente, que enquanto estiveste na praia junto dos outros grãos de areia nada eras e agora significas mais que os outros milhões de grãos de areia todos que continuam lá na praia. O pior é que eu não consigo descalçar-me, sacudir-te, tirar-te do sítio onde te alojaste, porque tu adquiriste vida própria, mobilidade própria, e deslocas-te livremente por mim, fugindo sempre que estou quase a alcançar-te, a apanhar-te. No entanto eu sinto-te enquanto te moves no meu corpo, eu sinto-te enquanto te moves na minha vida.

Hoje vou tentar não correr atrás de ti. Vou-me encolher no meu cantinho à espera que vás ter comigo, fazer-me festas no cabelo, entregar-me o teu regaço para nele pousar a cabeça, dar-me o teu colo para eu me sentir aconchegado. Vou ficar quietinho à tua espera, balançando com a cabeça apoiada nos joelhos, os meus braços abraçando as minhas pernas enquanto não puderem abraçar-te a ti. Não levantarei a cabeça se apenas espreitares na minha sala da solidão; esperarei que te chegues perto, que me toques... Se o não fizeres, o nosso jogo terá de acabar algum dia. Será que sobreviverei a isso?

Christian de La Salette

1 comentário:

Anónimo disse...

Como tudo poderia ser bem mais fácil se pudessemos dizer ao coração por quem nos devemos apaixonar!
És um ser lindo e maravilhoso!
Estarás sempre no meu coração, bem aconchegado. Mesmo ao longe vou-te sempre abraçar...