terça-feira, 4 de março de 2008

Servil

Amanheces em mim todos os dias,
És presença em todos os momentos,
É vão o esforço, fracos os intentos
De me fechar nas minhas valentias.
Desligo-te o telefone, iludido,
Pensando que assim te desvaneces,
Porém, ao pensar que desapareces
Sou eu quem fica desaparecido.
Finjo-me valente, impermeável
A todos os teus gritos e lamentos,
Corro-te servil aos chamamentos
Fazes de mim criança vulnerável!
Impregnaste-me de ti de tal maneira,
Encharcaste-me os sentidos de tal forma,
Que a minha alma já não se conforma,
Se não te puder ter a vida inteira.

Hei-de passar o resto dos meus dias,
Usando a espátula que o tempo me deu,
Raspando de mim aquelas fantasias,
De fazer-te Julieta e a mim Romeu.
Não posso fingir que te não quero,
Mesmo que mo peças com fervor,
É uma sina que eu já não tolero,
Enganar-me ao negar o teu amor.
E vou chorando a dor nestes meus versos,
Vou-me esvaindo todo nesta escrita,
Escrevendo-te sentidos controversos,
Largando aqui o que a mágoa me dita.

Sucumbo eternamento ao teu encanto,
És fada que me enfeitiça inteiramente,
E cobres-me com o teu falso manto,
Deixando-me sozinho e tu ausente.
Padeço as doenças que me lanças,
Com feitiços que afinal são uma praga,
Danço sem cessar as tuas danças,
Abres-me no ventre enorme chaga.
Peço-te que me cures de uma vez,
Só há uma poção que é infalível,
Procura-a com afinco e avidez,
Transforma-me em objecto apetecível.

Ama-me como se eu fosse o primeiro,
Que entrasse de rompante no teu ninho,
Faz de mim teu único companheiro,
Parceiro que partilha o teu caminho.

Christian de La Salette

Sem comentários: